A utilização do estagiário de direito para aquisição de mão de obra barata- fraude a Lei 11.788/2008 e Estatuto da OAB

Resumo: O presente artigo versa sobre aspectos gerais das condições do estágio, bem como as legislações vigentes com enfoque essencial no estagiário de direito. Abordando a fraude ou violação nos contratos de estágio pela unidade concedente, no qual se utilizam dos estagiários para adquirirem mão de obra barata, reduzindo custos sociais e trabalhistas, burlando diretamente as normas de estágio e trabalhista. Sendo utilizado na pesquisa fontes da doutrina, jurisprudência e pesquisa de campo. Ao passo que, revela a forma mais eficaz de solução deste problema, mediante atuação do poder judiciário.
Palavras-chaves: estágio, mão de obra, estagiários.
Abstract: This paper discusses general aspects of the conditions of the stage, as well as regulations. It is specifically addressed in fraud or breach of contract by the grantor stage unit, in which trainees are used to adquirerem cheap labor, reducing labor and social costs, directly bypassing the rules of probation and labor, through the doctrine, jurisprudence and research field. Whereas, reveals the most eficacaz form of solution to this problem, through the agency of the judiciary.
Keywords: stage, manpower, trainees.
Sumário: 1. Introdução 2. Aspectos históricos. 3. Conceito de estágio. 4. Requisitos formais e materiais. 5. Função social do estágio. 6. Princípio da boa fé. 7. Princípio da primazia da realidade. 8. Princípio da proteção. 9. Utilização do estagiário de direito para aquisição de mão de obra barata. 10. Conceito de empregado. 11. Conceito de empregador. 12. Desconsideração do contrato de estágio. 13. Fiscalização por órgãos específicos. 14. Visão crítica do estágio na administração pública. 15. Conclusão
INTRODUÇÃO
Com o advento da Revolução Industrial no século XVIII a Indústria ganhou proporções significativas, principalmente quanto à geração de emprego e renda, que desde o ápice até os dias atuais cresceram em larga escala. Ao passo que a Indústria e instituições semelhantes evoluiram, concomitantemente incentivou e aumentou o setor educacional, ainda que precário partir do século XX.
Ao lado do emprego surgiu uma modalidade contratual parecida, o estágio, embora não protegida pelas leis trabalhistas, mas com intuito primordial de promover ao estagiário educando a possibilidade de aprendizado de uma atividade profissional e inserção do beneficiário no mercado de trabalho cada vez mais competitivo e exigente quanto à formação.
Com o criação da Lei 11.788/2008[1] Lei do Estágio, se pode verificar detalhadamente as garantias dadas à parte hipossuficiente da relação, atribuindo à unidade concedente diversos requisitos para caracterização regular para contratação de um estagiário, a principal delas a obrigatoriedade da participação da instituição de ensino no acompanhamento do contrato, desde as premissas até à rescisão, seja unilateral ou bilateral.
Neste projeto é abordado os aspectos genéricos e gerais da referida lei da categoria, desde aspectos históricos, mas de modo mais detalhado os requisitos essenciais da configuração legal do contrato, bem como as penalidades conseqüentes da violação de qualquer das cláusulas da referida Lei, a imediata o reconhecimento do vínculo empregatício entres estagiário e unidade concedente, passando então a se chamarem empregado e empregador.
Ainda neste ínterim, destaca que no ano de 2011 segundo a Associação Brasileira de Estágios (Abres) existiam cerca de 1 milhão de estagiários no mercado de trabalho brasileiro, sendo por ano uma média de 179 mil oportunidades de estágio para estudantes do ensino superior e tecnologia no país.
Em razão da perspectiva do mercado cada vez mais crescente, principalmente pelo investimento da iniciativa privada, a expectativa é de que cada vez mais seja aberta oportunidades para estagiários, tendo em vista que nosso país ainda é carente de mão de obra qualificada, atuando o estágio como meio de qualificação.
Neste ínterim, importante destacar que atualmente o Brasil conta com apoio de entidades específicas de seleção e acompanhamento de estagiários, no qual desempenham papel crucial na fiscalização da regular execução do contrato, como exemplo os órgãos: Ciee, SuperEstágios, Fieb, dentre outras.
Diversas experiências quanto a fraude ao contrato de estágio são facilmente encontradas em nosso país, em razão de muitas empresas ou instituições verem no estágio a possibilidade de contratação de um empregado revestido da função de estagiário. Violando por conseguinte além da lei, mas também verbas trabalhistas e sociais, que surtirão efeito a posteriori, a exemplo das contribuições previdenciárias, quando da aposentadoria ou percepção de benefício.
ASPECTOS HISTÓRICOS
Ao longo de toda história da evolução do emprego e das Indústrias a modalidade de estágio sempre existiu, embora inicialmente não tendo o nome específico de estágio, mas com características pertinentes à essência do atual contrato, como na idade média com as corporações de ofício, as quais consistiam em associações marcadas pela produção artesanal, onde existiam o mestre, o oficial e aquele que se parece com o atual estagiário, o aprendiz.
Através do Decreto Lei 4.073/1942, Lei Orgânica do Ensino Industrial, o estágio passou a ter revestimento formal em nosso país, posto que estabelecia as bases e diretrizes de organização, inclusivedo regime do ensino industrial (em grau secundário). Ao passo que, em seu Art. 47 rezava que o estágio deveria ser um período de trabalho realizado pelo aluno (estagiário), sob o controle e supervisão da competente autoridade docente, em estabelecimento industrial.
Assim sendo, em 1960 nosso país avançou ainda mais quanto ao aprimoramento a legislação de estágio, destacando que se fazia necessário uma norma mais abrangente, daí então foi editado em 1967 a portaria 1.002 dispondo sobre a relação de estágio, a qual em seu Art. 3º rezava:
Os estagiários contratados por meio de bolsas de complementação educacional não terão, para quaisquer efeitos, vínculo empregatício com as empresas, cabendo a estas apenas o pagamento de bolsa, durante o período de estágio.[2]
Após esta inovação, o legislador brasileiro avançou criando o Dec. Nº 66.456/70, o qual em síntese possibilitava ao estudante do ensino superior poder estagiar na sua área específica, a qual efetivamente poderia auxiliar sobremaneira na formação.
Na mesma década de 70 surgiram outras legislações de estágio, as quais sempre buscavam o aprimoramento e condições que levassem ao estágio executividade condizente com o ensino que o estudante estava inserido, senão vejamos:
Lei no 5.692/1971 Estabelecia diretrizes para os ensinos de 1º e 2º grau, bem como tinha em seu bojo a concepção de que o estágio era uma maneira de cooperação entre escola e empresas, sempre objetivando o crescimento de ambas as partes[3].
Decreto no 69.927/1972[4] Ampliou ainda mais as condições do estágio, principalmente instituindo a Bolsa de Trabalho, cujos beneficiários eram considerados como estagiários, ademais por ter toda característica da categoria.
Decreto no 75.778/1975[5] Disciplinou o estágio no serviço público federal, tendo por objetivo primordial regulamentar as demandas de estágio na Administração pública, posto que desde à época da sua edição até à atualidade, está cada vez mais crescente o ingresso desses estudantes estagiando no serviço público
Em 1977, foi editada a Lei no 6.494 (posteriormente sendo regulamentada pelo Decreto no 87.497/1982), a qual passou a determinar quem poderia ser considerado estagiário e quais os deveres e direitos que os órgãos envolvidos naquele contrato passaria a ter. Destacando inclusive, que a partir de então passaram a existir os órgãos intermediadores do estágio entre empresa e instituição de ensino.
Tal legislação mencionada alhures perdurou por mais de 30 anos, que com a mudança e crescimento do mercado de trabalho brasileiro se fez necessário atualizar tal norma diante da extrema necessidade de adequação da norma à realidade atual. Desta forma, em 25 de setembro de 2008, foi sancionada a nova lei geral do estágio Lei 11.788/2008, a qual trouxe inúemeras inovações, benefícios, direitos, deveres e principalmente a sanção adequada em havendo violação ao estágio.
Não obstante tal norma geral suscitada acima, o estagiário de direito desde 1994, através do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94)[6], em seu Art. 9º já era detentor de benefícios exclusivos à categoria. Sendo que, o estagiário de direito passa então a ser regido pela Lei geral 11.788/2008 e a lex específica, o Estatuto da OAB.
CONCEITO DE ESTÁGIO
O estagiário segundo a definição trazida pela Lei 11.788/2008 em linhas gerais consiste num contrato de caráter educativo/profissional, onde possui intencionamento implícito proporcionar ao estudante a vivência na área profissional, possibilitando assim adquirir habilidades pertinentes à futura profissão.
Vejamos na oportunidade a íntegra do Art. 1º da Lei de Estágio¹:
Art. 1o Estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à preparação para o trabalho produtivo de educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos.
§ 1o O estágio faz parte do projeto pedagógico do curso, além de integrar o itinerário formativo do educando.
§ 2o O estágio visa ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.
O estagiário de direito possui ainda vantagens específicas, trazidas pelo Art. 3º § 2º do Estatuto da OAB², no qual traduz que o estagiário pode praticar todos os atos privativos da advocacia estampados no Art. 1º do mesmo Estatuto, desde que esteja em conjunto com o advogado, bem como pela inteira responsabilidade deste, senão vejamos:
O estagiário de advocacia, regularmente inscrito, pode praticar os atos previstos no art. 1º, na forma do regimento geral, em conjunto com advogado e sob responsabilidade.
Diante do mencionado alhures, o estagiário de direito efetivamente possui a oportunidade de vivenciar toda a prática da advocacia, inclusive na construção do trabalho intelectual, o qual será um elemento primordial na sua formação educativa e profissional.
Em linhas gerais o estagiário muito se assemelha ao trabalhador, tendo em vista se aproximar das características estampadas no Art. 3º da CLT, ou seja, faticamente está reunido os elementos da relação empregatícia. Ao passo que, na ocasião de infrigência de qualquer dos Arts. Da Lei geral do estágio, esta situaçãpo fática mediatamente pela prestação jurisdicional se tornará concreta e real.
Assim sendo, a intenção primária do legislador ao editar a norma geral do estágio é possibilitar ao estudante, a oportunidade de aplicação de seus conhecimentos teóricos à prática. Lembrando ainda que, o estagiário de direito possui uma área de atuação ímpar, abrangente e cada vez mais inovadora.
REQUISITOS FORMAIS E MATERIAIS DO ESTÁGIO
Inicialmente cumpre destacar, que o contrato de estágio para ter validade e existência é necessário o preenchimento de requisitos formais e materiais, ambos hábeis à garantir ao estagiário uma condição regular e adequada na execução do pacto educativo.
3.1.1- Requisitos formais:
Tais requisitos exigem que na relação contratual entre as partes a formalidade seja imperiosa. Salientando inclusive, que tais não são absolutas, senão vejamos:
Em se tratando de estágio a formalidade primária exigível pelo Art. 16 da Lei Geral de Estágio (11.788/08) é a existência do estagiário, unidade concedente, que pode ser pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como profissionais liberais de nível superior devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fiscalização profissional como determinado no Art. 9º da mesma Lex, bem como e instituição de ensino.
Tornando assim existente no plano jurídico, surtindo todos os efeitos contidos naquela lei, ressaltando a presença obrigatória da instituição de ensino a qual em linhas gerais terá função fiscalizatória da executividade regular do contrato, conforme disposto no Art. 7º da Lei geral da categoria.
Muito se questiona sobre a necessidade da presença obrigatória do agente integrador no contrato, porém a realidade estampada no Art. 5º da Lei 11.788/08 afirma ser uma faculdade das instituições de ensino e as partes cedentes recorrem aos agentes integradores, porém caso se recorra a tal integrador este terá papel auxiliar no processo de aperfeiçoamento do Instituto do Estágio.
Ainda neste diapasão, destaca que para a celebração do contrato de estágio, este se dará pelo Termo de compromisso por escrito, onde este documento terá eficiência para comprovar a finalidade e objeto do contrato, inclusive para eventual verificação de existência de vínculo de emprego. O mencionado documento será obrigatório, sendo um ônus da criação para a Instituição de ensino e unidade concedente, nos termos dos Arts. 7º, I , 9º, I e Art. 16º da mesma norma geral , com escopo de zelar pelo fiel cumprimento do instrumento contratual.
Existindo ainda obrigatoriamente no termo de compromisso a cláusula que identifique se o estágio é remunerado ou não, conforme previsão expressa do Art. 12 da mesma lei. Assevera nessa oportunidade que todo e qualquer contrato de estágio deve existir obrigatoriamente em favor do estagiário um seguro contra acidentes pessoais, sendo um dever e não faculdade da unidade concedente, senão vejamos o Art. 9º, inciso IV da Lex Geral (11.788/2008):
Art. 9o As pessoas jurídicas de direito privado e os órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como profissionais liberais de nível superior devidamente registrados em seus respectivos conselhos de fiscalização profissional, podem oferecer estágio, observadas as seguintes obrigações:
IV contratar em favor do estagiário seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com valores de mercado, conforme fique estabelecido no termo de compromisso;
De mais a mais, a norma geral do estagiário prevista na Lei 11.788/2008 traz ao estagiário de direito diversas garantias protecionistas, embora seja comum a estagiários de todas as áreas. Ao passo que o Estatuto da Oab (Lei 8.906/94) traz garantias específicas ao estagiário como a possibilidade de praticar os atos privativos de advogados previstos no Art. 1º do Estatuto, desde que esteja em conjunto e responsabi-lidade do advogado regularmente inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados, conforme determinação expressa do Art. 1º § 2º, senão vejamos:
§ 2º O estagiário de advocacia, regularmente inscrito, pode praticar os atos previstos no art. 1º, na forma do regimento geral, em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste.
REQUISITOS MATERIAIS
Os requisitos materiais visam em suma a efetivação dos fins sociais da Lei atual de estágio, no qual possam prevalecer na relação o caráter sócio educativo, tendo objetivo primordial a qualificação do estudante e possibilidade de contato com a futura profissão, no caso do estagiário de direito, este tem a possibilidade real de praticar atos de advogado desde que obedecido os requisitos já mencionado em linhas pretéritas, ou seja, o estagiário de direito tem o prazer de sentir o que de fato é advogar.
Tais requisitos visam a prevalência da hamornia e compatibilização dos termos do contrato, o acompanhamento e supervisão da instituição de ensino e nas hipóteses em que hajam o agente integrador, em síntese trata-se da segurança jurídica do contrato de estágio.
De acordo com o posicionamento do ilustre doutrinador Mauricio Godinho Delgado[7], o relacionamento das partes no estágio, tem objetivo originário de propiciar ao beneficiário (estudante) a oportunidade de complementação e aperfeiçoamento na formação profissional do referido. Eis que esses objetivos sociais que dão beneficia tanto o estudante quando à unidade concedente, no qual este último estará isento dos custos de uma relação empregatícia. Por esta situação, a composição dos efeitos trabalhistas sociais desta relação lato sensu foi suprimida a priori pelo ordenamento jurídico, salvo em violação da Lex respectiva, que ensejará de plano o reconhecimento do vínculo empregatício.
FUNÇÃO SOCIAL DO ESTÁGIO
A principal função social que o estágio proporciona ao estudante é a inserção ao mercado de trabalho, que atualmente está cada vez mais competitivo e seletivo. Eis que o mercado atual exige cada vez mais qualificação profissional, sendo o estágio uma das espécies de qualificações que vem ganhando notoriedade nos últimos anos.
Vale lembrar que no estágio remunerado, estudos recentes revelam que os estudantes beneficiados por essa bolsa, direcionam boa parte dela para os gastos domésticos e pagamento de mensalidades, de acordo com dados objetivos de Luiz Gonzaga Bertelli- Presidente do Centro de Integração Empresa-Escola-CIEE[8], um dos maiores agentes integradores do país.
Auferindo bolsa ou não, o contrato de estágio possibilita ao beneficiário como dito acima a qualificação da área, porém alça resultados ainda maiores, como a retirada desses estudantes da vulnerabilidade social.
Sendo assim, o estágio possui uma função muito além do caráter educativo profissional, já que promove ao estagiário a oportunidade de crescimento social, bem ajuda no desenvolvimento econômico-social do país, já que insere na sociedade um profissional hábil.
PRINCÍPIO DA BOA FÉ
Os princípios jurídicos possuem intrínsecamente estruturas que servem de pilares para todo o ordenamento pátrio, são eles que dão fundamento as relações jurídicas, principalmente no campo do direito do trabalho, os quais tem finalidade de informar, normativizar e interpretar as relações e até mesmo a norma propriamente dita.
O princípio da boa fé objetiva em se tratando de relação de estágio serve para alicerçar e assegurar ambas as partes na relação contratual, eis que informa a totalidade de regulamentação, inserindo caracteres de cunho moral e jurídico.
Destaca ainda que este princípio não é específico ao direito do trabalho, mas é admitido como um princípio norteador das relações jurídicas, abrangendo o direito do trabalho, já que muito frequentemente existe violação aos contratos, principalmente em se tratando em contrato de estágio, onde muitas unidades concendes aproveitam de tal modalidade para reduzir custos sociais e trabalhistas, ferindo assim o direito do estagiário.
A boa fé está diretamente ligada à conduda da parte, que possui obrigação de cumprir com seu dever, de acordo com sua posição contratual, seja para o estagiário, instituição de ensino e unidade concedente, já que leva em seu bojo a consciência de não prejudicar, agir em dolo, bem como causar danos ao outrem.
De acordo com Américo Plá Rodriguez[9] o princípio da boa fé atualmente é visto como princípio geral, que serve de informante de todo ordenamento pátrio. Tendo como principais finalidades a lealdade contratual e o fiel cumprimento dos deveres nele contidos.
PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE
O princípio da primazia da realidade ensina que em toda relação de emprego deve existir efetivamente a realidade dos fatos, ou seja, no contrato de trabalho não pode haver surpresas construídas em desacordo com a verdade. Imperando o instituto do Contrato-Realidade.
Em síntese, o que realmente irá ter eficácia é o que ocorre na prática, chegando ao ponto de documentos, instrumentos e demais da categoria serem afastados para o império da realidade, não sendo de modo absoluto, mas a primazia vem como garantia e proteção à eventual abuso ou irregularidade no contrato de trabalho.
Importante registrar que não se pode elaborar um texto escrito no intuito que o mesmo prevaleça sobre os fatos. Plá Rodriguez[10] defende que: na oposição entre o mundo real dos fatos efetivos e o mundo formal dos documentos, não resta dúvida de que se deve preferir o mundo da realidade.
De mais a mais, para que se possa utilizar e evocar o princípio da primazia da realidade, acima de todas as coisas deve existir outro princípio intrínseco, o da boa fé, tendo em vista a justiça e razoabilidade na relação. A realidade transparece e revela a verdade, a boa fé efetivamente consolida o ideal de Justiça.
PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO
Inicialmente destaca que este princípio engloba três vertentes/subprincípios: o indubio pro operario, a aplicação da norma mais favorável e a condição mais benéfica.
A legislação trabalhista, bem como o órgão especializado judicial, tem como ideal a tutela do polo mais fraco da relação jurídica, ou seja, aplicação de medidas protetoras para que se alcanse a efetiva igualdade substancial[11].
De acordo com o indubio pro operario, na interpretação de uma situação fática-jurídica dentre outras situações, ou melhor, havendo dúvidas acerca de qual medida ou decisão a ser tomada, a interpretação deve alcansar um resultado em favor do trabalhador. Neste sentido, não se trata de alteração do significado claro da norma, nem se permite atribuir sentido que, de modo algum, possa ser deduzido da disposição[12].
A aplicação da norma mais favorável se revela no sentido de que, existindo diversas normas válidas e aplicáveis sobre uma relação de emprego, deve-se aplicar aquela que seja mais favorável/benéfica ao trabalhador, mesmo que esta norma esteja em posição hierárquica formalmente inferior no sistema jurídico[13].
Por fim, a condição mais benéfica é o instituto que assegura ao trabalhador a manutenção de direitos e garantias que sejam mais vantajosas ou proveitosas, inclusive os direitos já adquiridos não podem ser extintos ou modificados para pior[14].
Em análise aos princípios mencionados, percebe-se no entanto que no caso do estagiário de direito, ainda que a priori, mesmo na regular execução do contrato de estágio, estes princípios se aplicam subsidiariamente, bem como existindo a violação ao estágio, imediatamente tais princípios constitucionais e específicos do direito do trabalham irão prevalecer e definir a situação nova, ou seja, a relação empregatícia propriamente dita.
UTILIZAÇÃO DO ESTAGIÁRIO DE DIREITO PARA AQUISIÇÃO DE MÃO DE OBRA BARATA.
O estágio possui como núcleo central a idéia de assoaciar o caráter pedagógico-educacional com a prática profissional, sempre objetivando inserir o estagiário em seu contexto. No caso do estagiário de direito se torna muito abrangente, haja vista que a execução do contrato pode se dar em escritório de advocacia, empresas privadas e públicas, Administração Pública direta e indireta, Ongs, dentre outras instituições.
Salienta ainda que o contrato de estágio muito se aproxima do contrato de emprego, principalmente no tocante à presença comum dos elementos de pessoalidade, subordinação, continuidade e uma forma de remuneração (opcional).
Nas palavras de Sergio Pinto Martins o estagiário irá, assim, trabalhar para aprender. É uma forma de dar ao estudante a experiência do cotidiano, da profissão, que só é adquirida com a prática[15].
Inúmeras são as possibilidades de descaracterização/violação ao contrato de estágio, porém existem algumas situações que são frequentes e mais fáceis de identificar. A celebração do termo de estágio é o marco principal obrigatório (Art. 3º, II Lei 11.788/2008), pois sem este documento compromissário entre o estagiário, a parte concedente e a instituição de ensino, transformará de imediato em vínculo empregatício, conforme Art. 3º, §2º).
Outro fator importante quanto ao termo de compromisso, é que este deve ser celebrado antes da execução do contrato. Sendo vedada a celebração após inicio do estágio. Caso em que haja execução do contrato sem documento respectivo, haverá vínculo empregatício, bem como pelo princípio da continuidade do contrato de trabalho, o período anterior e posterior à celebração do contrato será considerado vínculo empregatício para todos os fins. (PANTALEÃO, 2011)[16].
Nesse sentido, leciona Mauricio Godinho[17], em relação ao contrato de estágio:
Frustradas, entretanto, a causa e a destinação nobres do vínculo estagiário formado, transmutando-se sua prática real em simples utilização menos onerosa de força de trabalho, sem qualquer efeito ganho educacional para o estudante, esvai-se o tratamento legal especialíssimo antes conferido, prevalecendo, em todos os seus termos, o reconhecimento do vínculo empregatício.
O estágio, portanto, tem de ser concreto, harmônico ao objetivo educacional que presidiu sua criação pelo Direito: sendo incorreto, irregular, trata-se de simples relação empregatícia dissimulada. (DELGADO, 2010, 316)[18].
A legislação geral de estágio impõe a todos os contratos de estágio a obrigatoriedade de seguro contra acidentes pessoais em favor do educando, custeado pela unidade concedente, sob pena de violação direta, havendo por conseguinte o vínculo de emprego, conforme dispõe o Art. 9º, IV da lex geral.
Recentemente a 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais, reconheceu à unanimidade o vínculo de emprego de um estagiário de direito que exercia a função de operadora de telemarketing. No julgado, o desembargador Fernando Luiz Rios Neto, sustentou que:
“A caracterização legal do contrato de estágio pressupõe a presença de requisitos formais e materiais inerentes a essa modalidade de trabalho em complementação do ensino. Para que se cumpram os requisitos materiais, torna-se necessário que o estágio ocorra em unidades que tenham condições reais de proporcionar experiência prática de formação profissional ao estudante, complementando o ensino e a aprendizagem. Se as atividades desenvolvidas no estágio são incompatíveis com a programação curricular estabelecida para o curso, o contrato é nulo na modalidade em que celebrado e o trabalhador faz jus ao reconhecimento da relação de emprego com a parte concedente do estágio e beneficiária do trabalho[19]” (Processo nº 0001257-38.2011.5.03.0108 RO TRT3)
Ainda neste diapasão, quando o estágio não fornecer ao educando aperfeiçoamento e complementação da formação acadêmica profissional, retratando e sendo na verdade, um meio de fraude, utilizando mão-de-obra barata, esta relação jurídica não mais será estágio, mas emprego, com todas as garantias trabalhistas da CLT e demais normas.
Ao se analisar a regularidade do estágio, é extremamente importante e necessário a interpretação a luz dos requisitos formais e materiais já descritos no capítulo anterior.
A relação contratual do estágio, vem crescentemente sendo utilizado como mecanismo de fraudar o contrato de emprego, haja vista que são bem semelhantes, entretanto, vale lembrar que o contrato de estágio, o qual obedece todos os requisitos formais e materiais, não gera vínculo empregatício. (NASCIMENTO, 2009)[20].
O que se percebe frequentemente é que as unidades concedentes com ânimus de fraudar, contratam estagiários para setores ou áreas que não tem nenhuma relação com o curso do educando, conforme mencionado alhures, com o estagário de direito operando telemarketing, ou muito das vezes contratam os referidos para estagiar em jornada semelhante a um trabalhador comum, ou seja, com mais de 6h diárias.
Em Artigo específico, Ulisses Otávio Elias dos Santos, nos ensina que:
outra questão importante e atinge a maioria dos estagiários seria quanto à execução do estágio, que muitas vezes foge ao que foi pactuado, ou seja, executa serviços que não condizem com o estágio, exemplo: estagiário de escritório de contabilidade que constantemente é obrigado a passar quase o dia todo tirando xerox e a cumprir horários incompatíveis com o que foi estabelecido. Este exemplo deixa claro que a intenção da empresa não é fornecer subsídios favoráveis a aprendizagem, e sim usufruir de maneira desonesta do estagiário burlando o que se assevera a legislação (SANTOS, in artigos, 2009)[21].
O fator principal para que empregadores contratem estagiários no intuito de mão de obra barata é o fato de que um estagiário custa bem menos para a empresa do que um empregado, no tocante a verbas trabalhistas e sociais.
Existem casos ainda mais graves na relação de estágio, a exemplo um caso real de um estagiário de direito que exercia a função de supervisor dos demais estagiários do escritório de advocacia, senão vejamos a jurisprudência abaixo:
TRT-PR-28-10-2010 ESTAGIÁRIO. ESCRITÓRIO DE ADVOCACIA. SUPERVISÃO DOS DEMAIS ESTAGIÁRIOS. VÍNCULO DE EMPREGO CARACTERIZADO. Não bastasse a total inexistência dos procedimentos formais exigidos pela Lei, a prova dos autos (testemunhal e documental), revela que o autor tinha função de supervisor em relação aos demais estagiários. Ora, um estagiário não pode ter função de supervisor pois é incompatível com o processo de apredizagem. O autor, inclusive, fazia a seleção dos estagiários para serem contratados, demonstrando nesse aspecto exercer uma terefa de cunho administrativo para o escritório. Vínculo de emprego caracterizado. Sentença que se reforma. (TRT-9 38838200815901 PR 38838-2008-15-9-0-1, Relator: MÁRCIA DOMINGUES, 4A. TURMA, Data de Publicação: 28/10/2010)[22]
Como dito acima, diversas são as formas de violação ao contrato de estágio, tendo assim o estagiário a faculdade de sanar o vício através da Justiça do Trabalho, na intencionalidade de obter a tutela jurisdicional declarando a existência do vínculo de emprego com a unidade concedente e desta maneira lograr êxito no recebimento dos direitos trabalhistas e sociais comuns ao vínculo de emprego.
Conclui Sérgio Pinto Martins[23], em seu livro Estágio e relação de emprego:
A contratação de estagiário não deve ter por objetivo apenas o aproveitamento de mão de obra mais barata, sem pagamento de qualquer encargo social, mascarando a relação de emprego, exigindo do trabalhador muitas horas diárias de trabalho. É o que se chama de escraviário ou de Office boy de luxo. Deve realmente proporcionar o aprendizado ao estagiário. Estando o estágio em desacordo com as regras de Lei nº 11.788/08, haverá vínculo de emprego entre as partes, atraindo a aplicação do artigo 9º da CLT. Nesse ponto, havia muitos abusos na prática, pois era desvirtuado o estágio, que a Lei nº 11.788 pretende inibir e coibir. (MARTINS, 2010, p. 94).
CONCEITO DE EMPREGADO:
O termo empregado é designado para estabelecer a própria relação empregatícia, eis que intrínsecamente é necessário que este empregado seja pessoa física, que desenvolva a atividade laboral de modo não eventual para outrem, havendo subordinação mediante salário, conforme determinação direta do Art. 3º da CLT.
Nesse diapasão, Amauri Mascaro Nascimento, entende acerca da matéria da seguinte forma:
Empregado é a pessoa física ou natural. Não é possível empregado pessoa jurídica. A proteção da lei é destinada ao ser humano que trabalha, à sua vida, saúde, integridade física e lazer. Esses valores existem em função da pessoa natural e não são bens jurídicos tuteláveis nas pessoas jurídicas[24].
Vejamos a essencialidade do empregado ser exclusivamente à pessoa física ou natural, não havendo hipótese da existência de pessoa jurídica empregada.
Alguns doutrinadores simplificam a caracterização do empregado em poucos requisitos, como Orlando Gomes e Élson Gottschalk[25] , que entendem Para haver contrato de trabalho basta que aquele que presta o serviço seja um trabalhador juridicamente subordinado, que seu trabalho seja dirigido ²
Outro marco principal do conceito de empregado é a existência da remuneração ou salário, posto que sua natureza jurídica, possui caráter direito alimentar, sendo portanto objeto de tutela constitucional, a qual fixa salário mínimo em lei, vedando irredutibilidade salarial, exceto convenção ou acordo coletivo, inclusive havendo retenção dolosa pelo empregador constitui imediatamente crime (art. 7º, IV, VI e X da CF/88). Vale ressaltar que o instituto do salário recebe tanto proteção constitucional, como mencionado alhures, como infraconstitucional, mediante a intangibilidade salarial (art. 462 da CLT), a impossibilidade de penhora salarial, assegurada no Art. 649, IV do CPC), ou situações de crédito preferencial (Art. 186 CTN, Art. 449,§1º da CLT e Art. 200 da CF/88).
De mais a mais, em se tratando de violação ou infrigência ao contrato de estágio, estaremos portanto, diante de uma situação de emprego, no qual o estagiário assumirá o status de empregado com todas as garantias previstas acima, amparados principalmente pelo Art. 3º da CLT.
CONCEITO DE EMPREGADOR
Segundo inteligência do Art. 2º, caput da CLT: Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal dos serviços,.
Empresa neste aspecto é a atividade organizada, com ânimus de condução e execução dos elementos de produção, no qual se destina à produção, no qual se destina também à circulação de bens ou serviços¹.
Pela determinação do Código Civil de 2002, empresário é aquele que exerce de forma profissional a atividade (Art. 966). Eis que, existem aqueles que mesmo exercendo a atividade econômica não são considerados empresários, seja por exclusão legal, contida no parágrafo único do art. mencionado ou pela inexistência e até mesmo falta de organização dos elementos para a produção, salientando ainda que o empresário pode ser pessoa jurídica ou física.
Importante destacar que os profissionais que exercem a atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, inclusive em situações de concurso com auxiliares ou colaboradores não são a priori considerados empresários, salvo se desta atividade se constitua elemento empresa.
Nas lições do doutrinador Gustavo Filipe Barbosa Garcia, empregador é:
Empregador é toda pessoa jurídica, pessoa natural ou despersonalizado que contrate empregado, mantendo relação jurídica com este, ou seja, todo ente que se utilize de empregados para a realização de seu objetivo social[26].
Neste sentido, também podem ser considerados empregadores na modalidade equiparado os profissionais liberais, a exemplo do advogado, por força do § 1º Art. 2º da CLT, desde que se da atividade desenvolvida constitua elemento empresa, conforme mencionado em linhas pretéritas.
De mais a mais, o conceito de empregador é abrangente e contínuo, tendo em vista maior proteção ao trabalhador, o qual como cediço é a parte hiposuficiente da relação contratual, tendo empregador e empregado direitos e obrigações próprias, de modo que efetive uma relação justa e equilibrada, já que uma parte consequentemente dependerá da outra.
DESCONSIDERAÇÃO DO CONTRATO DE ESTÁGIO
1- RECONHECIMENTO E DECLARAÇÃO PELO PODER JUDICIÁRIO
Ao falarmos em desconsideração do contrato de estágio, imediatamente estaremos falando da prestação jurisdicional ao caso concreto, eis que esta desconsideração será reconhecida e decretada pelo órgão judiciário especializado trabalhista.
A regra é a regular execução do contrato de estágio como já mencionado em linhas pretéritas, reiterando o caráter educativo profissional que o estágio enseja, inclusive não havendo qualquer vínculo empregatício a priori. Sendo exceção a usurpação ou fraude ao estágio.
A Justiça do Trabalho é o órgão competente para processar e julgar demandas trabalhistas, inclusive em ações de estagiários pleteiando o vínculo de emprego, por força e determinação do comando constitucional previsto no Art. 114, I da CF/88, senão vejamos:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
No caso concreto existem inúmeras formas de desvirtuação do contrato de estágio, já que a lei geral traz em seu bojo diversas situações ou elementos que são hábeis à violação. Vejamos abaixo alguns casos concretos julgados pelos TRTS do Brasil:
VÍNCULO EMPREGATÍCIO. CONTRATO DE ESTÁGIO. Nos moldes da norma de regência, o estágio não cria vínculo de emprego de qualquer natureza, entretanto, é correto afirmar que o desvirtuamento desses contratos – de tal modo que o estudante/estagiário passe a ser considerado parte integrante do esquema produtivo do empregador – determina a ineficácia da figura jurídica pactuada, atraindo a regência das normas que informam a relação de emprego. Hipótese em que há nos autos elemento que possa configurar violação das regras estabelecidas na Lei e no documento formal de estágio. (TRT-10, Processo: RO 916201200310006 DF 00916-2012-003-10-00-6 RO Relator: Desembargadora Flávia Simões Falcão , Data de Julgamento: 17/05/2013, 1ª Turma)[27]
O órgão judiciário especializado trouxe em seu julgado elementares importantes no reconhecimento do vínculo de emprego, principalmente no tocante a asseverar que quando o estagiário passa a ser considerado parte integrante do sistema produtivo do empregador, automaticamente torna ineficaz o pacto de estágio firmado, sendo aplicável então as normas trabalhistas estampadas na CLT.
Destacando ainda que no caso concreto os Tribunais tem usado cada vez mais os princípios, principalmente o da primazia da realidade e proteção ao trabalhador, conforme mencionado alhures, a primazia da realidade se revela em apurar a realidade em detrimento de documentos, ou seja, a realidade transparece o que efetivamente ocorre e a proteção assegurando interpretações e medidas a favor do trabalhador hipossuficiente da relação, senão vejamos:
CONTRATO DE ESTÁGIO DESVIRTUADO DE SUA FINALIDADE – VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. Não sendo observada nenhuma das condições previstas na Lei n. 11.788/2008, o vínculo de emprego se forma de pleno direito, pois, nesse caso, o objetivo da norma foi fraudado, não passando a relação de trabalho entre o estudante e o contratante de uma autêntica relação de emprego intermediada ilegalmente pelo agente de integração, embora formalmente denominada de -estágio-. Aplicam-se na espécie os princípios da primazia da realidade e da proteção ao trabalhador, incidindo pleno direito as normas dos arts. 3º e 9º da CLT, devendo o contratante ser responsabilizado pelo pagamento de todos os direitos laborais ao trabalhador travestido de estagiário. (TRT-24 – RO: 941200800124004 MS 00941-2008-001-24-00-4 (RO), Relator: FRANCISCO DAS C. LIMA FILHO, Data de Julgamento: 01/04/2009, Data de Publicação: DO/MS Nº 523 de 17/04/2009, pag.)[28]
Em um caso pertinente, o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (3º Região) reconheceu o vínculo empregatício de um estudante de direito que desemphava a função de operador de telemarketing, função totalmente inversamente proporcional ao curso desenvolvido, vejamos:
CONTRATO DE ESTÁGIO. DESVIRTUAMENTO. NULIDADE. RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE EMPREGO. A caracterização legal do contrato de estágio pressupõe a presença de requisitos formais e materiais inerentes a essa modalidade de trabalho em complementação do ensino. Para que se cumpram os requisitos materiais, tornase necessário que o estágio ocorra em unidades que tenham condições reais de proporcionar experiência prática de formação profissional ao estudante, complementando o ensino e a aprendizagem. Se as atividades desenvolvidas no estágio são incompatíveis com a programação curricular estabelecida para o curso, o contrato é nulo na modalidade em que celebrado e o trabalhador faz jus ao reconhecimento da relação de emprego com a parte concedente do estágio e beneficiária do trabalho[29].
FISCALIZAÇÃO POR ÓRGÃOS ESPECÍFICOS
Cotidianamente é raro haver a fiscalização nos contratos de estágio, inclusive na pesquisa de campo realizada, os entrevistados em momento algum do pacto contratual perceberam ou presenciaram fiscalização nesse sentido.
Não existe em nosso país um órgão específico e determinado para a fiscalização dos contratos de estágio, sendo então supridos subsidiariamente pelas Delegacias Regionais do Trabalho (Ministério do Trabalho e Emprego) mediante denúncia ou inspeção no trabalho quando se consegue constatar.
Naqueles contratos em que há presença do agente integrador, fica mais fácil a proteção ao estagiário, já que este serve como um intermediador tanto para a seleção e até mesmo o término do pacto contratual.
Em razão da inexistência de um órgão público direcionado exclusivamente à fiscalização dos contratos de estágio, deve-se as partes integrantes atuarem como fiscais do contrato, ou seja, cada parte assume a responsabilidade da fiscalização de seus deveres e direitos, caso em que haja violação a denúncia deve ser efetivamente realizada para apuração de eventuais obrigações.
VISÃO CRÍTICA DO ESTÁGIO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Em nenhuma hipótese é possível caracterizar o vínculo empregatício do estagiário junto à Administração pública em casos de fraude, haja vista que este contrato será nulo já que obrigatoriamente existe comando legal do Art. 37, inciso II da CF/88 que obriga a prestação do concurso público para o ingresso na carreira pública, senão vejamos:
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração[30].
Embora exista a previsão constitucional determinando o concurso público para a admissão na Administração Pública, o estagiário que tenha seu contrato fraudado pela Administração não pode ficar no prejuízo. E neste sentido o Tribunal Regional da 4º Região entendeu da seguinte forma, senão vejamos:
EMENTA: Vínculo de Emprego. Estágio. Administração Pública. É empregado aquele que presta serviço essencial e subordinado, apesar de formalmente contratado como estagiário, uma vez descumpridas as regras legais que regulam o contrato de estágio. Em se tratando de vínculo de emprego com a Administração Pública, o contrato de trabalho é nulo, pois não prestado concurso público para a admissão, mas gerador de efeitos, pois é impossível restituir as partes ao status quo ante, já que a força de trabalho despendida não pode ser restituída. (sublinado nosso)[31]
Dessa maneira o Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região assegurou ao estagiário o direito do recebimento das verbas rescisórias, muito embora negado pedido de reconhecimento de vínculo de emprego. Assim sendo, o ilustre Tribunal se baseiou implicitamente no princípio da proteção ao trabalhador, eis que a força laboral do estagiário não pode ser recuperada.
De mais a mais, ainda é impossível o reconhecimento do vínculo empregatício do estagiário que tenha seu contrato violado pela Administração Pública, já que conforme mencionado alhures é necessário a aprovação em concurso pública para investidura no cargo.
CONCLUSÃO
A história revela o crescimento exponencial do trabalho em todo o mundo, principalmente a partir da Revolução industrial no século XVIII, quando as indústrias personificaram ainda mais a produção em larga escala, tendo emergido a presença de diversos movimentos sociais e trabalhistas na luta pela diginidade do trabalhador. O estágio também está contido no crescimento do trabalho da humanidade, já que presente desde os primórdios da evolução trabalhista, assumindo o caráter eminentemente de aprendizado para a futura profissão.
A lei geral de estágio nº 11.788/2008 vigente há 5 anos, aos poucos vem se tornando um mecanismo de utilidadel, porém ainda não atingindo eficácia em grande parte dos contratos de estágio. Deve-se destacar que tal dispositivo normativo veio ao ordenamento para beneficiar a categoria dos estagiários, assegurando-lhes direitos e obrigações, inclusive a terceiros para as instituições de ensino.
Cada vez mais vem crescendo as contratações de estagiários em todo território, dando a oportunidade deste beneficiário de adquirir experiência e possibilidade de efetivação no mercado de trabalho, cada vez competitivo.
Neste diapasão a fraude ao contrato surgue, eis que as unidades concedentes se aproveitam da possibilidade desta modalidade contratual para redução de custos sociais e trabalhistas, auferindo por conseguinte enriquecimento ilícito, revestindo o empregado na condição de estagiário, uma afronta direta a lei e toda sociedade.
Ao ser constatada a fraude, seja pelo estudante, unidade concedente ou ação do Ministério do Trabalho e Emprego, deve haver de imediato a punição àquele infrator, bem como impedimento de nova contratação de estagiários, além de multa administrativa realizada pelo MTE.
Assim sendo, restando comprovada a infração ao contrato de estágio pela unidade concedente (empregador), ao prejudicado (estagiário) resta buscar amparo e proteção de seus direitos junto à Justiça do Trabalho, pleiteando o vínculo empregatício e todas as verbas sociais e trabalhistas devidas abrangidas pela CLT e demais normas aplicáveis. Onde o estagiário assumirá a posição de empregado prevista no Art. 3º da CLT, bem como a unidade concedente será denominada empregadora conforme Art. 2º da CLT.
O empregador que contrata estagiários na condição de empregado desfarsado, além de contrariar as normas trabalhistas e lei de estágio, prejudica toda a sociedade, já que exclui as possibilidades de emprego para os demais trabalhadores que almejam tal posto, bem como contribui para o crescimento das desigualdades sociais.
Assim sendo, o estágio deve ser um mecanismo contratual, de natureza pedagógica profissional, que tenha direcionamento e executividade nos termos estampados na lei, ao qual propicie ao beneficiário a oportunidade de crescimento e chances reais de efetivação quando de sua formação. Desta forma, o estagiário não seria o único beneficiário, já que toda a sociedade sairia beneficiada pelos resultados do trabalho do estudante que estará prestes a se tornar um profissional no mercado.

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