Regras mudam relações com mão-de-obra em formação

Entidades nacionais e gaúchas, responsáveis pela intermediação de vagas, que chegaram a estimar em 40% o enxugamento do
mercado de estágios no País nos últimos meses de 2008 por causa do efeito da legislação, apostam que a temporada de adaptação às novas regras já passou. Recente guia lançado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTe), com o nome sugestivo de Cartilha Esclarecedora sobre a Lei do Estágio, ajudou a dirimir dúvidas, principalmente sobre as novas regras para o estágio não-obrigatório. Agora a ordem é voltar a incluir alunos de Ensino Superior e Médio, profissionalizante ou não, no dia-a-dia dos negócios.

A projeção de ampliação de vagas é confirmada pelas ofertas de
oportunidades nas centrais de estágio no Estado. Não há um
levantamento, mas o ritmo de ofertas aumentou. A direção do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), que soma mais de 41 mil estudantes vinculados a empresas, dimensiona entre 3% e 4% a expansão para o ano. No Brasil, o número de estagiários é de 1,03 milhão. Já foi maior antes da nova legislação. Segundo o Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube), o exército de estagiários era de 1,1 milhão. “A lei não veio para reduzir os estágios, mas para garantir mais segurança na relação entre o trabalho e os estudos”, destaca o presidente do Nube, Carlos Henrique
Mencaci.

Para Mencaci, indefinições sobre como férias e intervalo para almoço já foram resolvidas pela cartilha, elaborada em parceria com as entidades. O dirigente reforça que as regras servem para regular e afugentar qualquer tentativa de estabelecer relação de emprego com o estudante.

Na agência de publicidade e propaganda Século Comunicação, situada em Porto Alegre, o diretor-comercial Alfredo Dillemburg explica que as contratações foram retomadas em dezembro passado. Dos 11 funcionários, três são estagiários, todos de Nível Superior. E esse número irá aumentar. “Esse período é bom para contratar. Somente estudantes mais dedicados e dispostos a conseguir oportunidade estão nesta época atrás de estágios”, alerta o diretor.

A empresa não viu empecilho nas mudanças da lei. Muitos benefícios já eram adotados, como vale-transporte e bolsa-auxílio, além de jornada inferior a oito horas. “Somos flexíveis e o que interessa é o ritmo de produção”, descreve o executivo. Segundo ele, os ajustes às regras foram feitos e o trabalho seguiu normalmente.

Para o presidente da Associação Brasileira de Estágios (Abres), Seme Arone Junior, o efeito inicial de enxugamento de vagas decorreu da rapidez da implantação das mudanças. Arone explica que a lei 11.788, de setembro de 2008, não previu prazo para adaptação das empresas. Os contratos de estágios novos e os renovados tiveram de cumprir as modificações. “O impacto foi maior no Ensino Médio não-especializado que passou a ter restrição de número de contratados pelo quadro de funcionários da empresa”, cita.

Levantamento da entidade mostrou que o corte foi de 40 mil postos, passando de 385 mil contratos para 345 mil. No Ensino Superior, a perda foi de 30 mil vagas, com queda de 715 mil para 685 mil estagiários entre outubro e dezembro. A direção da Abres ressalta que o volume de estágios no País é ainda muito acanhado ante o potencial de mão-de-obra disponível. Somente no Ensino Médio, com menos estágios que o Superior, o Ministério da Educação somava 8,3 milhões de matriculados em 2007. Em cursos universitários, a população é de 4,6 milhões alunos. “Estágio é
a melhor política de inserção dos jovens, assegura renda e frequência na escola. Temos muito espaço para crescer e as empresas têm papel crucial”, reforça Arone.

Mercado retoma contratações no Estado em 2009

Instituições que fazem a integração empresa-escola no Estado sentiram o impacto da transição para as novas regras. O primeiro efeito foi o enxugamento de vagas. Na largada de 2009, as entidades já registram retomada das contratações graças à absorção das modificações e a novas oportunidades, como a possibilidade de profissionais liberais efetuarem contratos, o que não ocorria pela legislação anterior.

A redução de novas vagas chegou a 50% na Futura Integrador
Empresa-Escola. O diretor da operadora, Leonardo Suñol, elenca como principais razões do freio no setor a limitação de número de
estagiários de Ensino Médio não-especializado por empresa e a redução da jornada de oito para seis horas. Para Suñol, a regra poderia ter sido moldada conforme a natureza do estágio. Mas a expectativa da agência é de que as empresas voltem a contratar com maior fôlego em março.

O Ensino Médio não-profissionalizante, que gerou oferta de vagas
considerável nos últimos anos, foi o mais afetado, segundo o diretor da Futura. Poderia ter ficado fora das cotas, exemplifica ele. A maior dificuldade surgiu em estabelecimentos que operam com turnos de até oito horas, nos quais a preferência é por pessoas com dedicação integral.

Suñol diz que o estágio e sua remuneração têm caráter social. “Muitos mantém vínculo com a escola por causa do estágio, que tem função social, além da formação para o mundo do trabalho”, ressalta Suñol, que assinala o índice considerável de efetivações com carteira, após o período de estágio. Segmentos mais afetados foram telemarketing, escritórios e funções auxiliares do comércio.

A direção do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) gaúcho, que registra mais de 41 mil estágios, observou corte de 8% nas vagas no final de 2008. Estudantes de cursos noturnos foram os mais atingidos, por concentrarem o maior volume de carga de oito horas. “Nos demais, mais de 75% já seguia seis horas”, justificou Cláudio Inácio Bins, gestor da área de relações institucionais. “Esse ambiente era esperado, enquanto houvesse a adaptação e ajuste das empresas”, ponderou o gestor e foi agravado com a crise econômica. Agora o CIEE começa a verificar
reaquecimento. Bins projeta que o setor crescerá entre 3% e 4% em 2009.

Agentes de integração orientam sobre as principais mudanças

A nova lei de estágio gerou apreensão e muitas dúvidas nas empresas. Para facilitar as adaptações e o cumprimento das novas exigências, as instituições que atuam na integração e intermediação das contratações montaram equipes técnicas para traduzir e formatar orientações aos clientes. A legislação, de 26 de setembro de 2008, passou a incidir sobre novos contratos e na renovação dos existentes.

O Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) está formatando um guia mais detalhado que o do Ministério do Trabalho e Emprego (MTe). O órgão pretende criar um roteiro de como executar as avaliações e elaborar relatórios, que ganharam mais importância na nova legislação. Segundo o gestor de relações institucionais da entidade, Cláudio Inácio Bins, aumentou o envolvimento das instituições de ensino, que devem aprovar planos pedagógicos na estrutura de formação do curso.

A coordenadora da central de estágios da Fundação José Otão, ligada à Pontifícia Universidade Católica (Pucrs), Lilian Pintos Cuello, informa que a incerteza sobre a aplicação da lei reduziu em 40% o volume de vagas. A instituição passou a esclarecer os procedimentos, inclusive com apoio jurídico. “Em novembro, o mercado voltou à normalidade e recuperamos os postos”, conta Lilian. A central registra mil alunos em estágios.

No dia-a-dia do estágio, itens como vale-transporte e bolsa-auxílio passaram passaram a ser ingredientes indispensáveis nos programas de estágios não-obrigatórios. Cotas de estudantes por estabelecimento servem para evitar que a mão-de-obra de estagiários substitua a com carteira assinada. As férias, uma das novidades da lei, devem ser proporcionais ao tempo de estágio, com 30 dias a partir de um ano. O intervalo para jornadas de seis horas diárias, que é limite para a maioria dos contratos, deve ser gozado fora da carga horária.

Para Bins, a reação negativa para algumas obrigações é compensada por uma estrutura legal que deu mais segurança para quem contrata os estudantes.

Setor de TI registra maior perda

O segmento de tecnologia da informação busca ações para contornar o resultado da nova lei de estágio: redução do quadro de estudantes e corte no valor médio da bolsa-auxílio. Para o setor, foi mais danosa a imposição de teto máximo de seis horas diárias de trabalho. O vice-presidente da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação, Software e Internet (Assespro), Reges Bronzatti, informa que a unidade que faz a interface com empresas, estudantes e instituições de ensino
compensou o enxugamento com o aumento de estabelecimentos contratantes. “Ampliamos os estágios, mas as empresas reduziram vagas”, confronta. O corte de valores ocorreu na proporção de horas e ficou em 20%. A remuneração varia de R$ 700,00 a R$ 1 mil.

A Central de Estágios Assespro (CEA), que atua com o Centro de
Integração e Capacitação em Tecnologia de Informação (CICT-TI), soma mais de 3 mil estágios efetivados e 2 mil currículos. Para o setor, a legislação acrescentou mais dificuldade para suprir a demanda por mão-de-obra. O déficit somente em Porto Alegre é de mil profissionais. No Estado, a carência chega a 3 mil. “A tradição da TI é buscar nas escolas nossa principal força de trabalho, o que ajuda a melhorar a formação do estudante”, ressalta Bronzatti. O recesso, outra inovação da lei, e a elaboração de relatórios também geraram mais dificuldades.

Profissionais liberais reforçam estrutura com estagiários

O escritório de advocacia da família Schirmer, localizado na Capital, tem desde o começo de janeiro um reforço na equipe. É o estudante de Direito da Esade Giancarlo de Ávila Fraga, de 20 anos e que frequenta o terceiro semestre do curso. A contratação de Fraga foi possível graças à nova lei de estágio, que permite que profissionais liberais registrados em seus conselhos de ordem contratem estudantes.

Márcio, atuando há três anos como advogado, lembra que teve o primeiro contato da profissão como estagiário e aprovou a experiência. “É a oportunidade para aprender o que a faculdade dá mais na teoria. Tenho colegas que se formaram e não sabiam nem onde era o Fórum”, conta. Ao lado do irmão Daniel, mais novo na área, ele adianta que o escritório já planeja contratar um segundo estudante.

As tarefas incluem desde pequenas pesquisas de temas, verificação do andamento de processos pessoalmente nos órgãos judiciais, acompanhamento de audiências com os advogados e primeiras lições de como estruturar uma petição. Para a estrutura enxuta do local, onde trabalham ainda os pais dos dois jovens profissionais: Mogar Roberto Schirmer e Maria Corália, a contratação auxilia quem já lida com o mundo do Direito. “Futuros estágios podem virar colegas de trabalho aqui”, cita.

Para Fraga, que já havia atuado como estagiário durante o Ensino Médio, a oportunidade diversificou seu conhecimento na área. “Estou reforçando e ampliando minha formação. Nada como a prática. Quero ter uma ideia mais clara da área em que pretendo atuar profissionalmente”, projeta o futuro advogado.

Consultor avalia que formação profissional irá melhorar

O economista e consultor em educação Hipérides Ferreira de Mello
destaca que a nova legislação redimensiou a importância do estágio na formação. Segundo Mello, que já foi secretário estadual da educação, os programas eram encarados como se fossem ações para garantir apenas renda de estudantes. Mello ressalta que as vantagens associadas ao tipo de contratação, com custo inferior ao de um empregado com carteira, não podem se limitar à empresa. Para o especialista, a formação travada no dia-a-dia dos negócios ajuda a melhorar o perfil dos futuros trabalhadores.

As primeiras regras sobre estágios no Brasil surgiram no final dos anos de 1960 e vinculavam a iniciativa com a qualificação do aprendizado para o mercado de trabalho. Portanto, a legislação atual, um upgrade das normas de 1977, que regulavam as contratações, buscou tornar mais claro o tipo de relação entre empresas, estudantes e suas instituições de ensino. Sem a formação adequada, o especialista previne que fica também comprometida a produtividade da economia do Estado. “Estágio é
para aperfeiçoar e ampliar o conhecimento obtido na escola. Este saber também beneficia a empresa”, lembra Mello. “Ganham o estudante, as empresas e o País”, ressalta.

Para Mello, um dos maiores avanços das novas regras ocorreu no
acompanhamento que deve ser dado ao estágio. Pela legislação, as
avaliações têm de ser progressivas. O desempenho do estudante deve ser descrito em relatórios periódicos. O consultor integra grupo técnico do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) que está formulando um roteiro de como as empresas, alunos e escolas poderão estruturar o plano de estágio e redigir avaliações. O grupo estipulou quatro etapas de análise: básica, intermediária, avançada e conclusiva.

Para cada fase, a sugestão é estabelecer prazo de até seis meses, que completaria os dois anos, teto máximo dos contratos. Mello reforça que as tarefas não são somente do contratante e do estagiário. “A escola não pode exigir que tudo venha pronto. A instituição tem de incluir no projeto pedagógico o estágio e participar da execução”, esclarece. O consultor informa que o Conselho Estadual de Educação pode definir regras que ajudem o estabelecimento de ensino na formatação dos planos e dos relatórios de estágio, comuns quando a atividade é obrigatória na
formação. Mello cita que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) assegura a responsabilidade do conselho na definição de regras para os programas.

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