Lei do estágio corta 220 mil vagas

Para especialistas, projeto impõe maiores custos às empresas, que devem
reduzir 20% das oportunidades aos alunos

Adriana Leite
DA AGÊNCIA ANHANGÜERA
aleite@rac.com.br

A nova lei
dos estagiários que estabelece novas regras na relação entre os futuros
profissionais e as empresas vai cortar 220 mil vagas, segundo estimativa da
Associação Brasileira de Estágios
(Abres). O texto traz avanços e amplia as obrigações dos empresários com os
estagiários, como férias remuneradas de 30 dias e a obrigatoriedade de
bolsa-auxílio. Por outro lado, a legislação provoca uma redução de até 20% no
número de postos disponíveis aos estudantes no País devido aos maiores custos
impostos às companhias. A proposta foi aprovada pelo Congresso e encaminhada
para sanção presidencial.

Empresários e representantes dos estudantes
prevêem que as empresas ficarão mais cautelosas e devem reduzir a procura por
estagiários. Mas todos apostam que após o período de adaptação e a manutenção do
crescimento econômico brasileiro, o interesse na contratação dessa mão-de-obra
será retomado. A previsão se baseia na necessidade de qualificação dos
profissionais e das vantagens que essa ação traz para a estrutura das empresas,
visto que moldam gestores que podem ocupar importantes cargos nas
organizações.

Tudo o que a estudante do 5º ano de Direito na Universidade
Paulista (Unip), Juliane Francis Longhi, de 31 anos, mais queria era entrar com
o pé direito na profissão que escolheu. O estágio em um escritório de advocacia
foi o caminho encontrado para iniciar uma trajetória que ela luta para que seja
de sucesso. Juliane é mais um dos milhares de estagiários que buscam uma
oportunidade e desejam ter garantidos os seus direitos.

Hoje as vagas de
estágio são tão disputadas quanto as provas de vestibular de áreas como medicina
e engenharia. O superintendente de Atendimento do Centro de Integração
Empresa-Escola (CIEE), Luiz Gustavo Coppola, afirmou que os estudantes tem de se
preparar para o mercado de trabalho e a acirrada busca para as oportunidades de
estágio que as empresas oferecessem todo ano. “Os empregadores querem
profissionais que se destaquem além do que aprendem nos colégios e nas
universidades. Trabalhos comunitários, leitura de jornais e revistas,
pró-atividade e preocupação com a carreira são fatores que pesam na hora de
escolher o estagiário”, disse.

Para ele, a nova legislação aprovada pelo
Congresso Nacional traz inúmeros avanços que vão beneficiar os estagiários e as
empresas. “O texto deixou mais clara e mais moderna a relação entre as partes. A
nova lei estabelece, por exemplo, limite de carga horária diária de no máximo
seis horas ou 30 horas semanais. A atual lei em vigor, que foi definida em 1977,
não coloca nenhum limite. Cabe hoje aos gestores das instituições de ensino
junto com as empresas definir o horário. E há estagiários que trabalham oito
horas diárias”, afirmou. Ele citou ainda como avanço a obrigatoriedade de se
instituir férias remuneradas de 30 dias após um ano de trabalho e o pagamento de
bolsa-auxílio. “Algumas empresas, em casos pontuais, não proporcionavam descanso
aos seus estagiários.”

Coppola disse que outro fato importante
estabelecido na nova lei é a permissão para que profissionais liberais com
registro em conselho de fiscalização contratem estagiários. Ele explicou que
hoje apenas empresas privadas e órgãos públicos podem admitir mão-de-obra nesse
regime. “A alteração abre a possibilidade da inserção no mercado de trabalho de
milhares de estudantes de áreas como Direito, arquitetura, engenharia e outras
profissões que antes não tinham um aparato em lei para ter programas de
estágio”, afirmou o superintendente de Atendimento do CIEE. Ele lembrou que a
nova legislação mantém o estágio como um sistema que não é um vínculo
empregatício, desde que siga o estabelecido pelo texto.

Proposta visa
coibir abusos no emprego de estagiários

A atual proposta aprovada pelos
congressistas surgiu para coibir abusos que eram encontrados nas relações dos
estagiários e os contratantes. Especialistas e futuros profissionais revelaram
que muitos estudantes eram contratados nesse sistema, mas exerciam atividades
como se fossem empregados diretos das empresas. E eram cobrados por tarefas que
estavam fora de suas obrigações contratuais. Apesar dos especialistas garantirem
que era uma minoria de contratantes com esse comportamento, o texto veio para
definir as condições em que o relacionamento entre as partes deve ser
firmado.

O superintendente de Atendimento do CIEE, Luiz Gustavo Coppola
acredita que em um primeiro momento pode acontecer uma retração na quantidade de
vagas disponibilizadas pelos empresários. “É perceptível o receio com a nova
lei, mas com o tempo os empresários vão perceber os benefícios de ter um
estagiário”, apostou. Ele destacou que caberá a cada empresa se adequar às novas
regras. O superintendente calculou um crescimento de 10% no número de vagas no
programa de estágio da instituição. Na região de Campinas, há 9 mil estagiários
nos programas do CIEE. “A região compreende 57 cidades. Há 32 mil pessoas com
currículos no nosso banco de dados.” (AL/AAN)

Qualificação será motivo
para reabertura de postos

AAbres avalia que a necessidade de qualificar a
mão-de-obra será o motivo que o empresário terá para reabrir as vagas de
estágio, após o período de adaptação da nova lei, estimado em dois anos. “Depois
desse prazo, o cenário deve se modificar. A qualificação dos profissionais será
fundamental na estrutura organizacional”, afirmou. A entidade prevê um corte de
220 mil vagas. Na visão do presidente da Abres, Seme Arone Júnior, a lei é um
avanço, mas também impôs algumas limitações. “A lei traz inúmeros avanços. Mas
há pontos que acabaram gerando restrições às contratações. Um ponto que deveria
ter sido melhor avaliado é a burocracia imposta pela nova lei. É importante um
controle do desenvolvimento do estágio, só que não dá para exagerar”, disse o
presidente da entidade. Ele afirmou que o texto aprovado pelo Congresso foi
muito negociado para que os estudantes não fossem prejudicados. A perda de 20%
do 1,1 milhão de vagas disponíveis no País para estágios a partir do momento em
que a lei entrar em vigor, vai reduzir ainda mais o já restrito mercado para os
estudantes. O fato é lamentado, porque segundo a entidade, o volume de postos
para estagiários existente hoje ainda é insuficiente para a quantidade de alunos
dos ensinos Fundamental e Superior. (AL/AAN)

Oportunidade é fonte de
renda para estudantes

Muitos alunos dependem da remuneração dos estágios
para custear a universidade

Os estágios, além de agregar experiência ao
currículo dos estudantes, quando remunerados, se tornam uma importante fonte de
renda para o custeio dos estudos. O dinheiro da bolsa-auxílio recebido pelas
atividades exercidas em um escritório de advocacia garante o pagamento da
mensalidade da faculdade da estudante do 5º ano de Direito na Unip Juliane
Francis Longhi. “O dinheiro serve para que eu pague a minha faculdade. Não teria
como custeá-la se não tivesse um estágio remunerado”, contou. Ela trabalha em um
programa desde o 2º ano do curso. “A prática é fundamental para o futuro
profissional. Não adianta ter apenas a teoria que é absorvida na universidade”,
disse a estudante. Para ela, a lei é uma vitória e traz benefícios como uma
carga horária menor que proporcione mais tempo para dispensar aos
estudos.

A mesma visão é compartilhada pela universitária do 5º semestre
de Administração do Grupo Anhangüera Educacional Samira de Assis Gegolotti, de
24 anos. “A nova lei vai estimular que mais estudantes queiram fazer estágio.
Atuar em uma empresa dentro da área escolhida, antes de sair da faculdade, é
importante para o futuro profissional”, disse. Para ela, ainda há abusos no
mercado que acabam desvirtuando o objetivo dos programas de estágio. “Há
empresas que não pagam bolsa-auxilio e também outras que obrigam a pessoa a
executar tarefas que fogem ao perfil de sua função.” Ela disse que está no seu
segundo estágio e as duas iniciativas foram importantes para agregar
conhecimento a sua carreira. “Desde o primeiro semestre da faculdade, eu faço
estágio.”

O sócio-proprietário da Lemos e Associados Advocacia, Agostinho
Zechin Pereira, afirmou que as principais obrigações estabelecidas pela nova lei
já são cumpridas pelo escritório. O local tem 15 estagiários de Direito. “Na
justificativa do projeto aprovado pelo Congresso, foi citado que a lei antiga
muitas vezes era mal utilizada por empresas que contratavam mão-de-obra com
preço mais baixo. Tudo para dissimular vínculo empregatício. Mas os estudantes
que têm os seus direitos feridos podem recorrer à Justiça do Trabalho. A lei
trouxe avanços, contudo creio que muitos empresários irão frear a contratação de
estagiários durante o período de adaptação à nova legislação.” Ele disse que
continuará com o programa para contratação dessa mão-de-obra. “Essa é uma
questão social e também de qualificação. Fui estagiário e sei que é muito
importante entrar na profissão por esse caminho.”

A supervisora da
Central de Estágios da Unidade 3 da Anhangüera Educacional, em Campinas, Maria
de Sousa Nunes, afirmou que a universidade já estabelece regras que auxiliem os
seus estudantes nos contratos com as empresas. “Nós utilizamos diferentes
critérios para aceitar a vaga oferecida por uma empresa. Um deles é a descrição
exata das atividades que serão exercidas pelo estagiário.” Ela disse que a
instituição de ensino está estruturando um grupo que será o responsável por
acompanhar de perto o desenvolvimento do estudante no estágio. “Hoje, nós
fazemos esse controle. Entretanto, há empresas que enviam e outras não o
relatório das atividades.” (AL/AAN)

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