Absorção de profissionais está aquém do crescimento da modalidade
Cursos de tecnologia ganham mais espaço em instituições de Ensino Superior,
além de maior visibilidade no mercado de trabalho. Para confirmar essa
afirmação, duas pesquisas. Uma, do Inep (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais), que aponta crescimento de mais de 600% na quantidade de
cursos tecnológicos no País. Outra, do Centro de Estudos de Políticas Sociais da
Fundação Getúlio Vargas, que notifica ganhos salariais de até 24% e aumento de
48,2% no índice de empregabilidade dos profissionais com esse tipo de formação.
Atualmente, o Brasil mantém 4.355 cursos superiores de tecnologia. Número
quase sete vezes maior do que o registrado em 2002, quando existiam apenas 636
programas. A expansão, segundo Roberto Leher, professor do Departamento de
Fundamentos da Educação da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), se
iniciou em 1997, com a publicação do Decreto 2.208, que prevê a dissociação
entre formação profissional e científica. “A transição propiciou novo nicho para
as instituições de Ensino Superior a partir da oferta de cursos superiores mais
rápidos e meramente instrumentais”, analisa ele.
O crescimento econômico brasileiro aliado à ausência de mão-de-obra
qualificada para atender às novas demandas do País também contribuem para a
proliferação dos cursos superiores de tecnologia. É o que garante João Cardoso
Palma Filho, especialista em políticas educacionais e professor da Unesp
(Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho). “Ao mesmo tempo em que o
mercado está afoito por profissionais qualificados, os jovens estão cada vez
mais preocupados em ingressar o mais rápido possível no mercado”, aponta.
A modalidade, segundo o Inep, é a opção de 412.027 estudantes brasileiros,
doze vezes menos que as matrículas na graduação presencial, calculada em
5.080.056. A quantidade de cursos superiores de tecnologia também é inferior a
de licenciaturas e bacharelados. Existem hoje 24.719 cursos presenciais, mas
apenas 4.355 de tecnologia.
Embora a maior parte das ofertas esteja centralizada no setor privado, Palma
Filho enxerga políticas oficiais para expansão da modalidade no sistema federal,
principalmente devido à criação dos IFETs (Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia). De acordo com a Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica do Ministério da Educação, o Brasil tem 38 IFETs, com 255 campi
espalhados em todo território nacional. Outras 99 unidades estão em construção e
previstas para serem entregues até o final de 2010.
Há ainda outras instituições públicas que mesmo dedicadas às graduações
tradicionais têm adotado esse modelo de formação, como é o caso de Unifesp
(Universidade Federal de São Paulo), Unicamp (Universidade Estadual de
Campinas), UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná) e UFRN
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
O resultado dessas iniciativas pode ser visto na atual edição do Catálogo
Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia, lançada em maio de 2010, e que
apresenta dez novos cursos divididos nos eixos tecnológico-militar, segurança e
apoio educacional. Há, ainda, outros 98 cursos tecnológicos nas áreas de
produção alimentícia, recursos naturais, produção cultural e design, gestão e
negócios, infraestrutura, controle e processos industriais, produção industrial,
hospitalidade e lazer, informação e comunicação e ambiente, saúde e segurança.
A tendência, na opinião de Palma Filho, é a intensificação da proliferação
dos cursos superiores de tecnologia nos próximos meses, independente do
resultado eleições presidenciais de 2010. Para ele, no entanto, esse crescimento
não colocará em xeque as graduações – licenciaturas e bacharelados. “A
convivência será harmônica, até porque a formação teórica e tão importante
quanto a científica. Há ainda forte tendência de intercâmbio entre as
modalidades, bem como de encurtar o tempo de alguns bacharelados”, acredita o
especialista.
Leher não têm o mesmo otimismo de Palma Filho e prevê o esgotamento na oferta
dos cursos superiores de tecnologia em um futuro não tão distante. Ele aponta a
experiência do México para explicar sua teoria. “O país, na década de 1990,
vivia momento similar ao que o Brasil vive hoje. Com a quebra da expectativa dos
profissionais e a percepção da restrita formação e do baixo peso do diploma no
mercado de trabalho, a procura pelos programas diminuíram e a ofertas das vagas
também”, diz o professor da UFRJ.
Enquanto Palma Filho aponta a expansão do sistema como estratégia para a
ampliação do acesso de brasileiros ao Ensino Superior, Leher relaciona a
proliferação da modalidade com a baixa qualidade da formação. “Mesmo que a
formação do tecnólogo seja fundamentada na prática profissional, não exclui a
necessidade de capacitação científica – ainda que em menor intensidade do que a
da graduação”, relata. Segundo ele, o modelo de referência, inicialmente adotado
pela maioria das instituições de Ensino, passou a ser minoritário no País. “Essa
transformação é uma grande perda para o Brasil. Até porque os conhecimentos
técnicos por si só não são suficientes. É preciso ter profissionais que pensem
em soluções”.
Mercado de trabalho
A pesquisa “A Educação Profissional e Você no Mercado de Trabalho”, realizada
pelo Centro de Estudos de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, aponta
ganhos salariais de até 24% e aumento de 48,2% no índice de empregabilidade dos
profissionais formados em cursos superiores de tecnologia. Enquanto o salário
médio de um profissional que não tenha formação tecnológica é calculado em R$
1.731,12, a remuneração média daquele que possui o diploma passa para R$
2.837,80.
Ainda, sim, Leher acredita que as oportunidades de emprego para os
profissionais tecnólogos sejam inferiores às destinadas aos bacharéis. “A
absorção dos tecnólogos existe, mas é preciso observar que tipo de emprego está
disponível a eles e compará-lo com a demanda dos profissionais formados nas
graduações tradicionais”, relata ele, que enfatiza a preferência do mercado de
trabalho por candidatos que tenham formação mais sólida e não puramente de base
tecnológica.
Para exemplificar a afirmação, o professor da UFRJ cita a Petrobras. Embora
os cursos superiores na área de petróleo tenham crescido a partir da demanda, a
empresa estatal, segundo Leher, não aceita candidaturas de profissionais com
diploma de tecnólogo em seus processos seletivos. A informação foi confirmada
pela assessoria de imprensa da empresa. Robert Karlisle Burnett, pró-reitor
acadêmico da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) confirma o
preconceito por parte do mercado de trabalho, mas o justifica como
desconhecimento da formação tecnológica. “Muitas empresas não sabem qual é a
capacitação de um tecnólogo, outras desconhecem até a existência dessa
modalidade”, diz ele.
O preconceito, para Palma Filho, não se restringe às empresas. De acordo com
ele, ainda que a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) preserve o direito dos
tecnólogos, há universidades que são resistentes a aceitar esses profissionais
em programas de pós-graduação stricto sensu – mestrado e doutorado.
Oportunidades de estágio
O panorama dos estágios no Brasil pode exemplificar as diferenças entre as
oportunidades para um bacharel e para um tecnólogo. A Abres (Associação
Brasileira de Estágios) aponta a existência de 650 mil vagas de estágio para o
Ensino Superior. “A maior parte das oportunidades ainda são preenchidas por
estudantes de cursos convencionais. Arrisco dizer que apenas 30% das vagas são
ocupadas por alunos de cursos tecnológicos”, diz Seme Arone Junior, presidente
da associação.
Ele acredita que o mercado ainda está em processo de maturação das novas
modalidades de Ensino. “É por esse mesmo motivo que as empresas são mais
cautelosas nas contratações. Estão descobrindo, aos poucos, de que forma esses
estudantes tendem a contribuir com o desenvolvimento”, explica Arone Junior, que
também cita uma desvantagem competitiva entre os candidatos das duas
modalidades. “Em geral, estudantes dos cursos de bacharelado, até pelo tempo da
formação, têm vivência acadêmica maior, além de experiências em estágios
anteriores”, aponta.
As diferenças salariais, no entanto, não são tão grandes quanto o número de
oportunidades. A pesquisa “Valores pagos aos estagiários do Brasil”, realizada
pelo Nube (Núcleo Brasileiro de Estágios), revela que a média salarial dos
estudantes de nível Superior é de R$ 765,25. Já para o nível Superior tecnólogo,
é de R$ 702,40.
Formação contínua
Independente da escolha da modalidade da graduação, é preciso investir em
formação contínua, conforme comprova a pesquisa “Você e o Mercado de Trabalho”,
da FGV. Segundo o estudo, a cada ano de estudo completado o salário pode subir
15% e as chances de arrumar emprego aumentam em 3,3%.
A taxa média de ocupação de uma pessoa que nunca estudou, por exemplo, é de
59%. Esse índice sobe para 90% quando se fala de brasileiros com 18 anos de
estudo, o que inclui profissionais com mestrado e doutorado. A mesma teoria foi
comprovada em relação à média salarial dos brasileiros. Apesar das jornadas de
trabalho serem similares, as diferenças salariais podem chegar a R$ 4 mil.
Enquanto quem nunca estudou recebe, em média R$ 392,14, aqueles que possuem
título de mestre ou doutor ganham, em média, R$ 4.454,69.