“Estou desempregado. Vai complicar para a gente”, foi o que o estudante César Yuri de Oliveira, 14, ouviu de seu pai, funcionário de uma metalúrgica da Grande São Paulo, demitido no mês passado. Na mesma empresa, cerca de 350 pessoas perderam o emprego desde dezembro.
E foi assim que a atual crise econômica, que vem afetando boa parte do mundo, passou a preocupar César também.
Desde então, o garoto convive com a possibilidade de ter que se mudar para uma escola pública. Para que isso não aconteça, ele cuida para que as luzes de casa não fiquem acesas à toa e para que não haja desperdício de água. O dinheiro para as guloseimas, que já era controlado, está temporariamente suspenso. “A prioridade em casa é o estudo”, diz ele.
A situação de seu pai “afeta bastante o convívio dentro de casa”, diz. Para não aumentar a tensão nesse momento difícil, César procura não dar motivos para estressar o pai. “Retribuo o que ele me dá”, afirma.
Yuri da Matta, 19, também percebeu uma alteração de humor em casa. Após o estouro da crise, a escola de inglês de sua família teve que ser fechada.
Seu pai tinha planos para abrir outra unidade, mas teve a proposta barrada pela franquia dona da marca, que achou que não era um bom momento para fazer investimentos. “Meu pai ficou mais preocupado”, conta.
Já Giovanna Ramos, 16, não se sente tão prejudicada mesmo depois de receber recomendações de seus pais.
“Eles comentaram que a situação está mais difícil e pediram para economizar.” As viagens de férias, que até o ano passado eram mais longas, encurtaram. Giovanna, que estuda em colégio público e já poupava, acredita que a crise foi pior para quem tinha muito dinheiro e perdeu tudo.
A maior parte dos jovens ouvidos pela Folha, mesmo sem enfrentar uma barra tão pesada quanto uma demissão na família, afirma ter ficado mais cuidadosa com os gastos.
“É mais por precaução”, diz Laís Pires, 18, que passou a tomar mais cuidado com as conversas ao telefone, com os banhos longos e com a televisão ligada, que fazem a diferença nas contas do fim do mês.
Planos para o futuro
Raquel Ramirez, 16, cursa o segundo ano em um tradicional colégio da cidade. Para colaborar com sua mãe, ela passou a controlar o uso de seu celular.
O dinheiro que ganha para despesas diárias de transporte e alimentação passou a receber mais atenção. “Tento segurar um pouco.” Prestes a ter de decidir seu futuro, Raquel acredita que momentos de crise possam afetar a escolha da carreira. “As pessoas ficam com medo de que algo dê errado e pensam mais”, reflete.
A preocupação não é à toa. De acordo com a Associação Brasileira de Estágios, 200 mil postos para estagiários foram cortados entre setembro e dezembro do ano passado -boa parte dessa redução, segundo a associação, é devida à crise.
No entanto, Eduardo de Oliveira, superintendente operacional do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), afirma que já é possível ver uma reação positiva no mercado de trabalho. Segundo ele, em janeiro houve uma expansão de 18,5% no número de novos contratos firmados em relação ao mesmo mês do ano anterior.
Eitan Kashtan, 23, por outro lado, viu na crise uma oportunidade. Estudante de administração, ele teve êxito justamente onde muitos quebraram a cara. Assim que as ações da Bolsa de Valores caíram, ele decidiu investir pela primeira vez: comprou papéis de uma gigante brasileira por um terço do preço habitual. Três semanas depois, obteve lucro revendendo as ações.
A experiência o levou a mudar seus planos de carreira. “Antes, eu pensava em juntar dinheiro e abrir uma empresa. Agora, vi que é possível viver dos rendimentos da Bolsa.”
Eitan já convenceu o pai e os dois irmãos a entrarem no negócio. Ele não esquece, porém, de ressaltar que sua fórmula envolve um ponto muitas vezes esquecido pelos adultos: “Só invista o que você não vai usar, senão você fica refém da Bolsa”.
Do próprio bolso
O estudante de moda Leonardo Ramalho, 18, mora com os pais e trabalha no setor de cobranças de uma empresa para custear seus estudos. Nos últimos cincos meses ele viu “mais de 50 demissões” no seu trabalho e passou a temer por seu emprego e seus estudos.
Do outro lado do mundo, uma tia que vivia no Japão passou pela mesma situação e decidiu voltar. “Várias pessoas foram demitidas no país e parece que por lá está péssimo.”
No dia-a-dia, Leonardo notou que seu poder de compra diminuiu. “Houve aumento nos preços e isso quebrou meu orçamento.” Segundo ele, é o repasse para itens básicos como transporte, vestuário e alimentação que mais afeta a vida das pessoas. “E teve o aumento na passagem do metrô [de R$ 2,40 para R$ 2,55]”, protesta.
Seu pai, um aposentado que perdeu os investimentos na crise, reclama do supermercado. “Ele diz que hoje, com a mesma quantia, se compra um terço do que se comprava no passado.”