Nova lei de estágio: o que as empresas podem e não podem fazer

“O que a gente imagina é que a lei causará um grande impacto na relação
empresa/estagiário. Agora, o mercado parou para se adequar às novas
regras. Mas o impacto negativo será diminuído à medida que mostramos
que a lei traz mais segurança jurídica às empresas”, comenta o
presidente da Abres (Associação Brasileira de Estágios), Seme Arone
Junior, a respeito da nova lei de estágios publicada nesta sexta-feira
(26) no Diário Oficial.

Para José Carlos Rodrigues,
sócio-diretor da System Plus, empresa especializada na terceirização de
operações burocráticas do departamento de Recursos Humanos, um dos
principais focos de preocupação é o relatório do programa de estágio
que, de hoje em diante, deverá ser entregue pelas empresas às
instituições de ensino a cada seis meses, no máximo.

“Esse
relatório de atividades será exigido pelas instituições de ensino, que
irão fiscalizar se a função desempenhada pelo estagiário está de acordo
com a grade curricular do curso”, explica Rodrigues. “Isso significa
que, ao contrário do que acontecia até então, não será mais possível
contratar estagiários para funções que não têm a ver com sua área de
formação”. Por exemplo, não dá para contratar um estudante de direito
para um estágio de jornalismo.

Além disso, a lei determina que a
escola acompanhe as atividades dos alunos que fazem estágio, por meio
de tutores especializados. Será necessária uma adequação nas
instituições de ensino para que contratem esse tipo de profissional. “A
fiscalização irá aumentar. Com tudo isso, acredito que as empresas
terão que ser mais rigorosas no processo de seleção de estagiários”,
afirma Rodrigues.

Pontos de atenção

Outro ponto de
atenção diz respeito ao projeto pedagógico das instituições de ensino.
De acordo com Arone, se o projeto não estiver prevendo o estágio
não-obrigatório, seus alunos não poderão fazer estágio. “O problema
atinge principalmente as escolas públicas, que, para qualquer mudança,
enfrentam burocracia: assembléia, ata, precisam enviar o pedido à
secretaria de ensino…”

As empresas não terão tempo para se
adaptar, pois a lei entra em vigor na data da publicação (26/09).
“Logo, não vai dar para as empresas esperarem e pensarem: com o tempo,
damos um jeitinho! Não vai dar para fazer isso, porque a demora vai
caracterizar vínculo de emprego, e não de estágio. A empresa que não
respeitar a lei será advertida. Na segunda vez, será proibida por dois
anos de contratar estagiários”.

Na opinião do sócio- diretor da
System Plus, entretanto, o capítulo que fala da fiscalização e das
penalidades para as empresas não está claro. “A lei ainda necessita de
adequações. Acredito que, caso a empresa não celebre o contrato de
estágio com a instituição de ensino, estará caracterizando vínculo
empregatício. No entanto, se a infração que cometer for de outra
natureza, por exemplo, não pagou o vale-transporte, a penalidade será
uma multa administrativa”, opina.

As obrigações das empresas

Veja quais serão as obrigações da empresa a partir de hoje:
Um
funcionário de seu quadro pessoal deverá orientar e supervisionar até
dez estagiários (no máximo), desde que ele seja formado na mesma área
dos estagiários;

Contratar para o estagiário um seguro contra acidentes pessoais;

Enviar à instituição de ensino, com periodicidade mínima de seis meses, relatório de atividades;

A
jornada de trabalho dos estagiários de todos os níveis deverá ser de,
no máximo, 30 horas semanais, o que equivale a seis horas por dia;

O
estágio relativo a cursos que alternam teoria e prática, nos períodos
em que não estão programadas aulas presenciais, poderá ter jornada de
até 40 horas semanais, desde que isso esteja previsto no projeto
pedagógico do curso e da instituição de ensino;

Em época de
provas, a jornada de trabalho deverá ser reduzida pela metade (como a
maioria dos estagiários são pagos por hora, isso implica redução da
bolsa-auxílio);

A duração do estágio não pode exceder dois anos,
exceto quando se tratar de estagiário com deficiência. De acordo com
Rodrigues, o estagiário que está há mais de dois anos na empresa, ainda
que seu contrato esteja atrelado à lei antiga, não poderá mais estagiar
na instituição;

Torna-se obrigatório o pagamento de vale-transporte;

É
assegurado ao estagiário, sempre que o estágio tenha duração igual ou
superior a um ano, período de recesso de 30 dias, a ser tirado na época
das férias escolares. Caso o estagiário esteja há menos de um ano na
empresa, o recesso deverá ser proporcional;

Durante o recesso, o
estagiário deverá receber sua bolsa-auxílio normalmente (aqui, não há
pagamento de um terço da bolsa, direito concedido àqueles contratados
sob o regime da CLT);

Bom senso

O estagiário cujo
contrato foi celebrado antes da nova lei ser sancionada, sob as regras
antigas, portanto, não tem os direitos citados nesta reportagem.
Rodrigues lembra que, no entanto, ao término do contrato, a prorrogação
será feita prevendo as novas regras. Mas esse não é um problema.

Imagine
a seguinte situação: um estagiário já está há meses na empresa, quando,
um certo dia, um novo estagiário é contratado. E este novo estagiário
trabalha apenas seis horas por dia, sai mais cedo nos dias que tem
prova, recebe vale-transporte e, para piorar, no fim do ano, tira
férias. “E outro que já estava lá? Como é que fica o clima dentro da
empresa?”, questiona Arone.

“É criado um desconforto entre os
estagiários, um clima negativo no ambiente de trabalho, que só pode ser
resolvido com bom senso. A orientação que estamos dando para as
empresas é dar os mesmo benefícios aos estudantes com contrato antigo,
para evitar essa situação, que é muito chata”, diz Arone.

Rodrigues,
da System Plus, está dando a mesma orientação a todos seus clientes.
“Existe ainda outro problema: os novos estagiários receberão menos do
que os antigos. Essa lei pode causar constrangimentos e quem será mais
atingido é aquele estagiário contratado pouco tempo antes de a lei ser
sancionada, cujo contrato irá demorar mais tempo para ser renovado”,
finaliza.

Dedicação aos estudos

Mesmo acarretando
tantos problemas, a lei não é negativa para Associação Brasileira de
Estágios, que contribuiu ativamente para sua formulação. “Aumentou um
pouco a burocracia e o custo, mas, agora, a lei é muito mais clara,
garantindo mais segurança jurídica para as empresas. Além disso, ela é
importante porque os incentivos na formação de profissionais são bons.
Vai dar para apostar no futuro e investir na educação”, diz ele,
referindo-se à questão da mão-de-obra qualificada, problema enfrentado
atualmente pelo Brasil, que perde, em termos de competitividade do
capital intelectual, para a Coréia do Sul e a China, que investiram na
educação de qualidade.

Em entrevista concedida ao final de
agosto à InfoMoney, o diretor-presidente do Nube (Núcleo Brasileiro de
Estágios), Carlos Henrique Mencaci, lembrou que o texto é resultado de
“30 anos de discussões e debates, que envolveram opiniões e estudos de
centenas de pessoas muito competentes”.

Inclusive, o projeto
levou em consideração o argumento das faculdades, universidades e
demais instituições de ensino. Muitas delas notaram a queda no
desempenho e aprendizado do aluno e proibiram a realização de estágios
por mais de seis horas por dia. Como resultado, os estudantes das
universidades que liberavam a realização de oito horas diárias de
trabalho levavam vantagem, o que originou protestos de alunos.

Outro
item que foi levado em conta: o Ministério Público começou a duvidar de
determinadas empresas que contratavam estagiários. No caso de alunos de
Ensino Médio, por exemplo, eram levantados alguns questionamentos, em
determinadas situações. Indagava-se: “trata-se de um estágio precário
ou de um emprego mascarado?”. “O projeto veio para organizar o caos, já
que a lei que rege os estágios gera alguns problemas e dúvidas. De zero
a dez, a nota que confiro é 9,8”, comenta Mencaci.

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