Com novas regras, como fica situação do estagiário?

SÃO PAULO – Férias proporcionais, vale-transporte, jornada de
trabalho de, no máximo, 30 horas semanais, trabalho de até três horas por dia em
época de provas. Esses são alguns dos direitos que os estagiários passam a ter a
partir de hoje, com a publicação no Diário Oficial da nova lei de estágio, nesta
sexta-feira (26).

Um dos pontos negativos é que, como os estagiários
costumam receber por hora, pode haver diminuição do valor da bolsa-auxílio.
“Haverá grande diminuição, o que é ruim, porque 90% dos estudantes que fazem
estágio precisam para financiar os estudos”, lamenta o presidente da Abres
(Associação Brasileira de Estágios), Seme Arone Junior. Em época de provas, a
carga horária será reduzida em 50%, e, mais uma vez, haverá redução dos
ganhos.

Além disso, não se sabe ainda se a lei fará com que menos
estagiários sejam contratados. Talvez não, já que, segundo o presidente da
Abres, a lei antiga era confusa e, agora, ela garante mais segurança jurídica às
empresas. “Aumentou um pouco a burocracia e o custo, mas, agora, a lei é muito
mais clara, garantindo mais segurança”.

Clima negativo

A ressalva
é que os estagiários cujo contrato foi celebrado antes de a lei ser sancionada
pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva não têm direito a esses benefícios. No
entanto, quando o contrato for renovado, terá de contemplar as novas regras. De
qualquer maneira, muitas empresas estão optando por estender os benefícios a
todos os estagiários, sem distinção.

Imagine a seguinte situação: um
estagiário já está há meses na empresa, quando, um certo dia, um novo estagiário
é contratado. E este novo estagiário trabalha apenas seis horas por dia, sai
mais cedo nos dias que tem prova, recebe vale-transporte e, para piorar, no fim
do ano, tira férias. “E outro que já estava lá? Como é que fica o clima dentro
da empresa?”, questiona Arone.

“É criado um desconforto entre os
estagiários, um clima negativo no ambiente de trabalho, que só pode ser
resolvido com bom senso. A orientação que estamos dando para as empresas é dar
os mesmo benefícios aos estudantes com contrato antigo, para evitar essa
situação, que é muito chata”, diz Arone.

José Carlos Rodrigues,
sócio-diretor da System Plus, empresa especializada na terceirização de
operações burocráticas do departamento de Recursos Humanos, está dando a mesma
orientação a todos seus clientes. “Existe ainda outro problema: os novos
estagiários receberão menos do que os antigos. Essa lei pode causar
constrangimentos e quem será mais atingido é aquele estagiário contratado pouco
tempo antes de a lei ser sancionada, cujo contrato irá demorar mais tempo para
ser renovado”. Direitos

Observe quais são os direitos dos estagiários, a
partir desta sexta-feira:

As empresas não podem contratar mais de dez
estagiários para cada profissional formado na área de atuação dos estudantes,
que será responsável por orientá-los (no caso, dos estagiários do Ensino Médio,
a restrição é ainda maior e varia de acordo com o número de efetivos das
empresas);

A empresa deve contratar para cada estagiário um seguro
contra acidentes pessoais;

A empresa deverá enviar à instituição de
ensino, com periodicidade mínima de seis meses, relatório de atividades do
estagiário. Essas atividades devem contemplar a grade curricular do curso.
Lembrando que a lei ainda determina que a escola acompanhe as atividades dos
alunos que fazem estágio, por meio de tutores especializados. Com isso,
aumentará a fiscalização;

A jornada de trabalho dos estagiários de todos
os níveis deverá ser de, no máximo, 30 horas semanais, o que equivale a seis
horas por dia;

O estágio relativo a cursos que alternam teoria e prática,
nos períodos em que não estão programadas aulas presenciais, poderá ter jornada
de até 40 horas semanais, desde que isso esteja previsto no projeto pedagógico
do curso e da instituição de ensino;

Em época de provas, a jornada de
trabalho deverá ser reduzida pela metade (como a maioria dos estagiários são
pagos por hora, isso implica redução da bolsa-auxília);

A duração do
estágio não pode exceder dois anos, exceto quando se tratar de estagiário com
deficiência. De acordo com Rodrigues, o estagiário que está há mais de dois anos
na empresa, ainda que seu contrato esteja atrelado à lei antiga, não poderá mais
estagiar na instituição;

Torna-se obrigatório o pagamento de
vale-transporte;

É assegurado ao estagiário, sempre que o estágio tenha
duração igual ou superior a um ano, período de recesso de 30 dias, a ser tirado
na época das férias escolares. Caso o estagiário esteja há menos de um ano na
empresa, o recesso deverá ser proporcional;

Durante o recesso, o
estagiário deverá receber sua bolsa-auxílio normalmente (aqui, não há pagamento
de um terço da bolsa, direito concedido àqueles contratados sob o regime da
CLT);

Problemas e pontos positivos

Outro problema que pode ocorrer
diz respeito ao projeto pedagógico das instituições de ensino. De acordo com
Arone, se o projeto não estiver prevendo o estágio não-obrigatório, seus alunos
não poderão fazer estágio. “O problema atinge principalmente as escolas
públicas, que, para qualquer mudança, enfrentam burocracia: assembléia, ata,
precisam enviar o pedido à secretaria de ensino…”

Apesar de todas as
incertezas que a lei traz agora aos estagiários, principalmente àqueles que
dependem da bolsa-auxílio para pagar os estudos, o projeto é positivo. Isso
porque ele valoriza o estágio no país, acabando com sua precarização, bem como
força os estudantes a colocar os estudos em primeiro lugar. Não devemos esquecer
que o conhecimento teórico é tão essencial para quem quer ser bem-sucedido
quanto o prático.

“A lei é fruto de um pedido das universidades, da UNE
(União Nacional dos Estudantes) e de outras instituições que representam
estudantes. Ela foi resultado de um consenso. O que se fala é o seguinte: o
estudante tem que estar na faculdade de corpo e alma, comprometido, para
aprender ao máximo e ser aproveitado pelo mercado de trabalho. É melhor para as
empresas, que precisam de gente boa”, diz Arone.

Organizando o
caos

Em entrevista concedida ao final de agosto à InfoMoney, o
diretor-presidente do Nube (Núcleo Brasileiro de Estágios), Carlos Henrique
Mencaci, lembrou que o texto é resultado de “30 anos de discussões e debates,
que envolveram opiniões e estudos de centenas de pessoas muito
competentes”.

Algumas instituições de ensino notaram a queda no
desempenho e aprendizado do aluno e proibiram a realização de estágios por mais
de seis horas por dia. Como resultado, os estudantes das universidades que
liberavam a realização de oito horas diárias de trabalho levavam vantagem, o que
originou protestos de alunos.

Outro item que foi levado em conta: o
Ministério Público começou a duvidar de determinadas empresas que contratavam
estagiários. No caso de alunos de ensino médio, por exemplo, eram levantados
alguns questionamentos, em determinadas situações. Indagava-se: “trata-se de um
estágio precário ou de um emprego mascarado?”. A verdade, é que a lei anterior
era antiga e tão fora da realidade atual que não citava o pagamento do
vale-transporte. “O projeto veio para organizar o caos”, conclui
Mencaci.

Como a lei já foi sancionada e não há como retroceder, o certo é
que os estagiários aproveitem o tempo que terão livre para aproveitar as
oportunidades oferecidas pelas escolas e universidades: encontros, palestras,
oficinas e atividades extrarriculares. As horas livres poderão ser usadas a
favor do estudante que deseja se tornar um profissional completo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *