Ponto de vista: Falsos estágios?

“A legislação brasileira já conseguiu varrer
do mapa o milenar sistema de aprendizagem.
É perfeitamente esperado que agora se
dedique a destruir os estágios”

Muito se fala e se escreve sobre os estágios. Alguns decantam
incansavelmente suas virtudes. Mas, também, denunciam-se os estágios
como forma disfarçada de contratação de mão-de-obra barata. Por isso,
tramitam novas regulamentações, visando a coibir tais abusos,
estabelecendo limites às tarefas pertinentes aos estagiários, bem como
reduzindo sua jornada de trabalho e proibindo o trabalho produtivo.

Aqueles que acusam o estágio de ser uma forma disfarçada de emprego a
baixo custo estão cobertos de razão. Do milhão de estágios, boa parte é
exatamente isso. Contudo, esse é um de seus méritos. Grande número de
jovens tira xerox, leva papéis, executa os trabalhos mais simples e
desinteressantes dos escritórios. No fundo, não são estágios legítimos.
São empregos simplórios reservados para estudantes.

Mas é assim que os jovens financiam os estudos. Sem esses falsos
estágios, muitos deles estariam impedidos de estudar, pois não disporiam
de recursos para pagar a mensalidade da escola. Em outras palavras:
diante de uma legislação trabalhista que desencoraja o emprego, o
estágio é uma saída, ainda que seja pela porta dos fundos. É bom para a
empresa, pois é mão-de-obra mais barata. Pesquisas mostram que os
(falsos) estagiários também gostam, o trabalho permite-lhes muito
aprendizado útil. É infinitamente melhor do que o desemprego.

As companhias têm diferentes razões para acolher estagiários. Essa pode
ser a principal estratégia para selecionar seus futuros funcionários de
primeira linha. Nessa lógica, atraem os melhores candidatos e investem
neles. Seu número não depende de leis protegendo os estagiários, mas das
políticas de contratação vigentes na empresa e do dinamismo da economia.
Bem sabemos que há pouca criatividade e inadequado aproveitamento dos
estagiários. Contudo, as leis são impotentes para mudar isso.

Outra razão para receber estagiários é o fato de obter trabalho
temporário ou serviços adicionais a baixo custo. Não são reais estágios,
mas empregos simples para estudantes, garantidos por uma reserva de
mercado. Enquanto for mais barato, contrata-se um estagiário para tirar
xerox. Se a lei não deixa o estagiário produzir “de verdade”, limita as
horas de presença no trabalho e cria outros constrangimentos, a empresa
preferirá contratar office-boys. As restrições em discussão poderão ter
um efeito devastador sobre os falsos estágios, por uma questão elementar
de racionalidade econômica. Muitos dirão, ora vivas, taparemos um buraco
na lei. Para as empresas, a perda será limitada. Mas acontece que são
ínfimas as chances que têm esses alunos modestos de arranjar verdadeiros
estágios, competindo com colegas academicamente mais fortes.

Mas o prejuízo atinge também os reais estágios, oferecidos pelas grandes
empresas. Os autores da proposta de lei, pelo que se depreende, nunca
entraram em uma empresa e jamais entenderam a lógica do “aprender
fazendo”, mais velha e tão respeitável quanto a escola. Pelas novas
regras, um aluno de marcenaria deve aprender a serrar em tábuas que
serão jogadas fora. Contudo, há muitos conhecimentos que só podem ser
adquiridos pelo exercício da ocupação. Um aprendiz nas tarefas
gerenciais ou administrativas não pode decidir e jogar fora a decisão.
Aprende-se executando, “de verdade”, tarefas mais simples ou ajudando
colegas mais experientes. Se os estagiários não podem produzir, não
podem aprender. Portanto, é tudo “de fingidinho”, empobrecendo o
processo de aprendizado dos reais estagiários.

Os clássicos beneficiários da atual flexibilidade da lei são os mais
pobres. Como tentar consertar a CLT é encrenca certa, deixar como está
seria o mal menor. De fato, os estágios financiam a educação de 28% dos
universitários (em SP). São mais alunos do que no ProUni e no Fies.
Quantos estágios desaparecerão com a nova lei? Mas há lógica nessa
burrice. A legislação brasileira já conseguiu varrer do mapa o milenar
sistema de aprendizagem. É perfeitamente esperado que agora se dedique a
destruir os estágios, outra forma de aprender fazendo.

Claudio de Moura Castro é economista

claudiomouracastro@attglobal.net 

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