PL tramita no Congresso pode provocar dispensa de 400 mil estagiários.

Mariana Flores

Do Correio Braziliense

18/06/2007
08h10
Na
tentativa de evitar abusos na contratação de jovens e de regulamentar o
exercício do estágio no país, o governo federal enviou para o Congresso
Nacional um projeto de lei que tramita desde 7 de maio em regime de
urgência. A idéia é garantir que os estágios cumpram a função de
complementar o ensino dos cerca de 1 milhão de estagiários ocupados no
país e que não sejam usados como forma de contratação precarizada. Mas
a proposta pode ter efeito contrário. A estimativa dos responsáveis por
intermediar a mão-de-obra é de que 400 mil estagiários, 40% do total,
poderiam ser dispensados se a proposta passar como deseja o Executivo.

Como estabelece uma carga horária para o trabalho e limita o número
de estagiários, milhares deles seriam dispensados principalmente pelas
micros e pequenas empresas brasileiras, segundo o presidente da
Associação Brasileira de Estágios, Carlos Henrique Mencaci. Na
proposta há itens interessantes, mas as restrições vão colocar na rua
400 mil jovens. Segundo ele, dessas vagas 100 mil vão virar postos de
trabalho com carteira assinada, outras 100 mil virariam informais e 200
mil seriam extintas.

O problema está nos dois itens mais polêmicos do projeto. O
primeiro se refere à limitação de estagiários por empresas. O número
total não poderia ser superior a 10% de seus quadros de pessoal. Dessa
forma, apenas empresas com 10 funcionários ou mais poderiam ter
estagiários. Os 10% podem gerar demissão em massa em algumas micro e
pequenas empresas, prevê o presidente da União Nacional dos Estudantes
(UNE), Gustavo Petta.

Carga

Para evitar o excesso de trabalho dos jovens, o governo quer ainda
limitar a carga horária a 30 horas semanais ou seis horas diárias.
Dessa forma, na avaliação dos ministros autores do projeto, Fernando
Haddad, da Educação, e Carlos Lupi, do Trabalho, o estágio ficaria
garantido como meio de consolidação dos conhecimentos escolares e não
como forma de recrutamento de mão-de-obra, argumentaram no documento
enviado ao Congresso.

A regulamentação é necessária, segundo os dois ministros, para
evitar que os jovens se tornem trabalhadores precarizados, já que sobre
os estágios não recaem os encargos obrigatórios na contratação com
carteira assinada, como recolhimento ao Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS), ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS),
pagamento de 13º salário e de férias.

As irregularidades são maiores no caso dos estudantes de nível
médio, segundo a procuradora do Trabalho da 4ª Região, Silvana Ribeiro
Martins. Temos inúmeras denúncias, afirma.

Para garantir uma renda mínima, muitos jovens aceitam o emprego
mesmo que não esteja relacionado ao aprendizado, como o caso da
estudante do segundo ano do ensino médio Marina de Oliveira, de 17
anos. Moradora de São Sebastião, ela faz estágio há quatro meses em
loja de uma rede de supermercados do Distrito Federal. Trabalha todos
os dias das 15h às 21h.

Em alguns dias, quando trabalha como operadora de caixa, a jornada
chega a sete horas. Pelo estágio, Marina recebe uma bolsa fixa de R$
250 65% do valor do salário mínimo. Pela convenção coletiva dos
funcionários de supermercados do Distrito Federal, o piso dos
operadores de caixa é de R$ 465,02 para empresas com menos de 50
funcionários.

Satisfação

Os estágios também são vistos como um caminho para ingressar no
mercado de trabalho. Estagiária do Ministério da Saúde, a estudante do
ensino médio Ivanilde Barbosa de Sousa, 18 anos, sonha ser contratada
como terceirizada pelo governo. Sua função atualmente é conferir e
assinar documentos, além de atender ao público. A bolsa recebida não dá
para ajudar em casa, como pretendia, mas ela está satisfeita mesmo
assim. Dos R$ 290 recebidos, R$ 120 são gastos em passagens de ônibus.
Ainda não é suficiente para ajudar em casa, mas estou aprendendo e
tenho a esperança de ser contratada, diz.

Fechar vagas é preocupante, na avaliação dos empregadores, porque o
universo de possíveis estagiários é bem superior ao 1 milhão de
ocupados. Segundo Mencaci, existem no país 13 milhões de estudantes
matriculados que poderiam estagiar. Atualmente 300 mil jovens estão
fazendo estágios com intermediação do Centro de Integração
Empresa-Escola (CIEE), uma das maiores empresas brasileiras do setor,
segundo seu presidente-executivo, Luiz Gonzaga Bertelle. No entanto,
afirma, um número quatro vezes maior de estudantes está cadastrado na
empresa à procura de uma oportunidade.

São jovens como a estudante do ensino médio Denise Chaves da Silva,
17 anos, que procura um estágio ligado à área de administração, curso
que deseja fazer. Quero unir o útil ao agradável. Além de aprender
serviços administrativos, já penso em pagar minha faculdade, diz.

Número de estagiários cresce 200%

Criados para complementar o ensino, os estágios se proliferaram no
Distrito Federal. Atualmente existem na cidade 24,7 mil estagiários
ocupados, volume três vezes superior (200%) ao de 10 anos atrás (veja
quadro acima), segundo os números de um estudo elaborado pelo
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(Dieese). No mesmo período, o número de trabalhadores ocupados na
capital federal cresceu apenas 40%.

A maioria (65%) são de nível superior e procuram o estágio para
viver na prática o que é aprendido na faculdade. É uma forma de se
aperfeiçoar, destaca a estudante de secretariado executivo Luterra
Isabella do Vale, de 20 anos. Procurei estágio porque quero me
aperfeiçoar na profissão. Estudo muita teoria na faculdade e preciso
colocar os conhecimentos em prática, afirma, ao lado de quatro colegas
de trabalho.

Assim como Luterra, Renato Bomtempo, estudante de direito, Filipe
Pataro, Mariana da Cunha e Pedro Terra, os três últimos alunos de
publicidade e propaganda, estagiam na Caixa Econômica Federal. Com
idades entre 20 e 24 anos, eles fazem o estágio como forma de
aperfeiçoamento. A vantagem é que passo a conhecer melhor o
vocabulário jurídico, além de ter desenvolvimento pessoal, afirma
Renato. O dinheiro que recebemos é importante, mas o principal é
entrar no mercado, completa Pedro.

Porta de entrada

O estágio é o quarto da vida profissional de Filipe. Aos 21 anos,
ele comemora o resultado. Por conta dos contatos que fez nas vagas,
recebeu convite para ser contratado em uma empresa da área e deve
começar ainda este mês. Meu interesse era entrar no mercado. Embora,
em geral, os estagiários sejam mal remunerados, vale a pena ocupar a
vaga pelo aprendizado e pelas pessoas que conhecemos.

Segundo estimativa do Centro de Integração Empresa-Escola, 51% dos
jovens são contratados na mesma empresa ao se formarem e outros 15%
recebem propostas de outros grupos. Os estagiários de Brasília têm 21
anos em média e trabalham 27 horas por semana, o que não mudou entre
1997 e 2006. Já os valores pagos caíram de R$ 546 para R$ 470. A
maioria deles (76%) mora nas cidades próximas ao Plano Piloto. (MF)

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