Afinal, o que priorizar em educação?

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O ESTADO DE S.PAULO

Caderno: Espaço Aberto

Terça-feira, 7 de Novembro de 2006

 

AFINAL, O QUE PRIORIZAR EM EDUCAÇÃO?

Num momento de grandes dissensos no cenário nacional,
talvez um dos únicos consensos seja a crença de que investir
em educação é estratégico para o futuro do País.
As controvérsias começam, entretanto, no momento da decisão
sobre os critérios de prioridade na alocação dos recursos.

Nas últimas décadas, o País vem aumentando substancialmente
seus investimentos em educação, e incrementando os recursos
alocados no ensino fundamental, apesar de grande parte do financiamento ainda
ser destinada ao ensino superior. Um avanço significativo no aumento
da oferta de ensino fundamental foi a criação do Fundef,
enquanto, no lado do incentivo à demanda, cresceram de importância
os programas de transferência condicionada de renda. Como conseqüência,
o Brasil praticamente universalizou a educação na faixa entre
os 7 e 14 anos, com 97% de suas crianças nas escolas. Os problemas
de qualidade são flagrantes, apesar de este grau ser o foco de um conjunto
significativo de esforços de setores públicos e privados, voltados
para seu aperfeiçoamento. O último censo do Grupo de Institutos
e Fundações Empresariais (Gife) revelou que mais da metade dos
projeto de seus associados se dirigiam para a educação, prioritariamente
para o ensino fundamental. São programas de capacitação
de professores, diminuição da defasagem idade-série,
melhoria do desempenho escolar, além de projetos de complementação
da escolaridade, por meio de atividades artísticas, culturais e esportivas.

Apesar destes avanços, nossos grandes calcanhares-de-aquiles continuam
sendo a educação infantil e o ensino médio. Ainda não
nos conscientizamos de que uma criança não nasce aos 6 anos
de idade e de que a primeira infância é o período mais
importante na formação dos seres humanos. Nessa fase se formam
75% das sinapses neurológicas e se constroem os fundamentos da nossa
representação simbólica do mundo. Estudos mostram que
o investimento nesta fase é de grande rentabilidade, sendo a economia
posterior, em gastos com educação, saúde e violência,
quase 17 vezes maior. Trata-se de investimento de enorme valor estratégico,
mas de retorno a longo prazo. Se pensarmos em metas a curto prazo, o ensino
médio passa a ser a grande prioridade.
O que caracteriza nosso país é urna enorme discrepância
entre seu estágio de desenvolvimento e o grau de escolaridade de sua
população economicamente ativa (PEA). Enquanto no Brasil somente
14,4% das pessoas completaram o ensino médio, na Índia este
porcentual é de 28,2%, na China é de 45,3% e na Coréia
do Sul, de 55,2%. Mesmo quando focalizamos nossos vizinhos sul-americanos,
encontramos no México 37%; no Chile, 35,7%; e na Argentina, 31,1%.

O que vem ocorrendo no ensino médio é que, do total da população
de 10 milhões de jovens entre 15 e 17 anos, somente 4 milhões
se encontram neste nível, 1 milhão ainda está no ensino
fundamental e, o mais trágico, 5 milhões estão fora da
escola. Nossa concepção curricular não se assemelha nem
à comprehensive school americana, em que um currículo flexível
permite o acesso quer à universidade, quer ao mercado de trabalho;
nem ao sistema dual europeu, que tem escolas diferenciadas para cada urna
destas funções. Enquanto na Grã-Bretanha e na Argentina
apenas 30% e 20% do ensino médio era direcionado para a universidade,
no Brasil este porcentual chegava a 95%.
Quanto à qualidade desta preparação para a universidade,
basta verificar que o Brasil tem ficado sistematicamente nos últimos
lugares nos resultados do Pisa (Programme for International Student Assessment-2000).
Em Matemática, apenas 4,4% dos alunos conseguiram alcançar a
média dos países da OCDE e, em Leitura, somente 11%.
As conseqüências deste cenário se mostram fatais tanto para
nossos jovens quanto para o futuro do País. Os jovens na faixa de 16
a 24 anos correspondem a 45,5% dos desempregados, apesar de representarem
apenas 25% do total da PEA. O desemprego nesta etapa de Vida (31,82%) já
e quase o triplo do encontrado na população de 25 anos ou mais
e a maior parte destes jovens tem o ensino médio incompleto. Por outro
lado, vem aumentando em nossas regiões metropolitanas p número
de jovens que não estudam nem trabalham, paralelamente ao crescimento
das atividades marginais e da violência. Constatamos que boa parte do
investimento em políticas públicas para nossa infância
e desperdiçada com a morte prematura de jovens, no momento mesmo em
que poderiam estar aplicando o capital humano acumulado na geração
de riquezas para si próprios e para o País.
Por outro lado, numa economia do conhecimento não há lugar para
uma nação cuja população economicamente ativa,
em sua esmagadora maioria, não dispõe do passaporte básico
para o acesso a um mercado formal e produtivo: a conclusão de um ensino
médio de boa qualidade. Desta forma, vem baixando nosso nível
de competitividade global e, entre 1990 e 2004, passamos da 8ª para a
14ª posição dentre as maiores economias do mundo.
Se quisermos reverter esta perigosa derrocada, temos de enfrentar o desafio
de incentivar e garantir o acesso, a permanência e o bom desempenho
de nossos jovens nem ensino médio que ostente padrões de qualidade
internacionais, e que seja capaz de oferecer-lhes tanto o caminho da universidade
quanto o da qualificação profissional.
Este será o grande desafio dos governadores eleitos, responsáveis
diretos pela gestão do ensino médio no País.

Wanda Engel, doutora em Educação
pela PUC-Rio, superintendente-executiva do Instituto Unibanco, foi ministrada
de Estado de Assistência Social (1999-2002) e chefe da Divisão
de Desenvolvimento Social do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)

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